Aclaração do Laudo Arbitral
Aclaração do Laudo Arbitral do Tribunal Arbitral “Ad Hoc” do Mercosul constituído
para decidir a controvérsia entre a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai sobre a aplicação do “IMESI” (Imposto Específico Interno)
à comercialização de cigarros
O Tribunal Arbitral Ad Hoc do MERCOSUL, constituído para decidir a controvérsia formulada pela República do Paraguai (“Paraguai”) à
República Oriental do Uruguai (“Uruguai”) neste dia 19 de junho de 2002, considerou a solicitação de Aclaração apresentada pelas Partes com relação
ao Laudo Arbitral expedido no dia 21 de maio de
2002.
O pedido de aclaração apresentado pelo Paraguai contém os seguintes aspectos:
I - A parte resolutiva do Laudo dispõe que “cessem os demais efeitos discriminatórios que resultem de sua aplicação por via administrativa com
relação aos cigarros de origem paraguaia”. Embora esteja clara a obrigação de eliminar toda prática discriminatória que rompa a igualdade de
tratamento com referência aos cigarros nacionais uruguaios, o modo de aplicação ou o cumprimento que se der à expressão “via administrativa”
deve ser esclarecido e precisado a fim de evitar que, através da interpretação do alcance de quem estiver obrigado pelo Laudo, possam
surgir novas controvérsias a uma interpretação restritiva em face do conteúdo substancial do Laudo.
A via administrativa descrita na demanda, e conforme ficou definido no objeto da litis que produz e conduz à discriminação, são Decretos do Poder
Executivo, e demais normas aplicáveis – exemplo: Resoluções da Dirección General Impositiva “DGI” – que determinam os preços fictos para o cálculo
de base tributável que, em sua aplicação para os cigarros importados do MERCOSUL, foi declarada no Laudo incompatível com a normativa MERCOSUL.
Por conseguinte, é preciso deixar claro que na obrigação de eliminar toda discriminação e violação da igualdade de tratamento, inclui-se na expressão
ato administrativo todo ato normativo administrativo, abrangendo os Decretos aplicáveis do IMESI e demais normas de aplicação.
II – Nossa parte considera também necessário fazer uma aclaração a respeito da alínea 2ª da parte resolutiva, especificamente ao dispor que
“cessem os demais efeitos discriminatórios que resultem de sua aplicação por via administrativa”, levando em consideração que a demanda solicitou a
eliminação das normas discriminatórias que violam a norma e o princípio de tratamento acordados no MERCOSUL entre os Estados Partes, o que leva à
necessidade de esclarecer se tal obrigação importa e deve ser interpretada do seguinte modo: que as importações no Uruguai de cigarros de origem
paraguaia serão gravadas com o Imposto Específico IMESI exatamente com o mesmo alcance legal, da mesma forma, e com os mesmos critérios (cálculo
da base tributável, taxas ou alíquotas do IMESI, forma de liquidação) que regem para os cigarros de produção uruguaia, adequando, dentro do prazo
estabelecido na alínea 3a, com este alcance e efeito toda a normativa interna, Lei ou atos administrativos, incluindo os Decretos do Poder
Executivo do Uruguai.
III – O Laudo, conseqüente com o petitório da República do Paraguai, com o objeto da litis e o considerando, sobre o qual existe consenso com
o Exmo. Tribunal Ad Hoc de que a igualdade de tratamento é uma norma e um princípio obrigatórios no MERCOSUL, e que com este alcance deve ser revisada
a aplicação tributária do IMESI, requer aclaração sobre a forma em que a República do Uruguai cumpre o “princípio de igualdade de tratamento” a respeito
dos cigarros originários dos demais Estados Partes do MERCOSUL”.
IV – Quanto ao prazo estabelecido na alínea 3ª da parte resolutiva, na qual se lê: “POR UNANIMIDADE: estabelecer o prazo de 06 (seis) meses
para o cumprimento destas resoluções pelo Uruguai”, deve-se interpretar necessariamente como o lapso no qual a República do Uruguai deve adotar as medidas
internas para eliminar a totalidade das disposições e sistemas aplicáveis do IMESI que representem discriminação na norma ou em seus efeitos, por atos
legislativos ou administrativos.
Em matéria comercial e para uma adequada e efetiva política de competitividade, e porquanto a previsibilidade é uma garantia essencial para assegurar seu
correto funcionamento, é preciso estabelecer como forma de cumprimento o compromisso de incluir no calendário da República Oriental do Uruguai as medidas
tendentes ao cumprimento da obrigação que surge das normas do MERCOSUL, tal como o assinala o Tribunal em seu Laudo.
O Uruguai, por sua vez, pede que seja esclarecido o seguinte:
1. O objeto da presente solicitação de aclaração e interpretação se refere ao expresso pelo Tribunal ao dispor na alínea N° 2 da
parte dispositiva do Laudo Arbitral ditado que “cessem os demais efeitos discriminatórios que resultam de sua aplicação por via administrativa com relação
aos cigarros de origem paraguaia”.
2. A resolução que consta da alínea N° 1 da parte dispositiva do Laudo – “... que o Uruguai cesse os efeitos discriminatórios com relação aos
cigarros paraguaios, baseados na condição de país não fronteiriço” – não basta para compreender quais seriam os demais efeitos discriminatórios que resultam
de sua aplicação por via administrativa.
3. O Direito se fundamenta nos Artigos 22 do Protocolo de Brasília e 13 das Regras de Procedimento ditadas pelo próprio Tribunal.
OTribunal, por sua vez, dispõe que:
Entendeu que o problema que lhe foi apresentado possuía natureza dupla porque abarcava tanto a igualdade de tratamento, como a harmonização da normativa do
MERCOSUL. Neste sentido, o Tribunal decidiu que: “A norma que estabelece o dever de harmonização e a eliminação de obstáculos à livre circulação de bens
nasce da própria natureza do Tratado e é deduzida de alguns de seus pontos, tendo sido também recordada em decisões de Tribunais anteriores”.
De fato, a igualdade de tratamento e a regra da harmonização da normativa do MERCOSUL, originária do Tratado de Assunção, foram integradas no direito
interno dos países a partir de mecanismos próprios de seus sistemas jurídicos quando da notificação, por esses países, da entrada em vigor desse Tratado.
A normativa relativa ao IMESI já foi examinada pelo Tribunal Ad Hoc segundo um duplo aspecto: primeiramente, sua aplicação concreta pela administração
uruguaia, e em segundo lugar, sua existência.
No sistema jurídico uruguaio, ou em qualquer outro, uma lei adotada pela administração pode ter um efeito discriminatório de acordo com sua interpretação.
Outrossim, se fosse interpretada de outra maneira poderia não ter esse efeito. Este é o âmbito de aplicação de uma norma, isto é, sua implementação e a
forma como ela é levada a cabo pelo Estado que ditou a norma em questão, o que foi denominado pelo Tribunal Ad Hoc como efeito administrativo da norma.
Outro aspecto é a existência de uma norma cujo próprio conteúdo é discriminatório. Para decidir a controvérsia, o Tribunal Arbitral entendeu que:
primeiramente, não pode existir uma norma cujo conteúdo seja discriminatório e, em segundo lugar, não pode haver uma prática administrativa que tenha
como efeito a discriminação, mesmo que a norma em questão não seja, de per si, discriminatória.
Pelas razões previamente expostas, e após uma análise das aclarações solicitadas com relação aos pontos controvertidos que são o objeto do recurso, o
Tribunal decidiu, por UNANIMIDADE:
1. apesar de haver uma referência, especialmente no item III da aclaração solicitada pelo Paraguai, aos cigarros originários do MERCOSUL, não
tem cabimento tratar este ponto na aclaração já que esse tema não foi incluído no Laudo. Deve-se realçar que o conteúdo da aclaração não abarca a ampliação
do Laudo a aspectos ou matérias que não tenham sido compreendidos no mesmo. Nas aclarações cabe simplesmente interpretar a forma como o Laudo deverá ser
cumprido, segundo o disposto no Artigo 22 do Protocolo de Brasília. Os Laudos obrigam unicamente os Estados Partes envolvidos na controvérsia, neste caso
Paraguai e Uruguai, pelo qual explica-se a exclusão da discussão do aspecto mencionado. Assim sendo, a decisão apresentada no Laudo não afeta os demais
Estados Partes, de acordo com o Artigo 21 do mesmo Protocolo. Ademais, conforme as decisões dos dois primeiros Tribunais Arbitrais do MERCOSUL, os
Tribunais Ad Hoc não podem pronunciar-se sobre questões que não tenham sido objeto de tratamento nas etapas anteriores, pré-jurisdicionais, mesmo que
tais questões tenham sido formuladas no escrito de apresentação na instância arbitral.
2. As alíneas 1 e 2 da decisão arbitral são claras e não necessitam interpretação. Elas indicam que devem cessar todos os efeitos discriminatórios
com relação aos cigarros de origem paraguaia, ou seja, que o IMESI deve ser aplicado sobre os cigarros paraguaios da mesma forma que é aplicado aos cigarros
uruguaios. Para que assim seja, o Uruguai deverá, em primeiro lugar, abster-se de aplicar as percentagens que distinguem os cigarros de uma ou outra origem
e, com isso, adequar sua normativa a tal decisão. Atendendo ao princípio da racionalidade, o Tribunal estabeleceu um prazo de 06 (seis) meses para que o
Uruguai cumpra as obrigações emanadas do Laudo. É evidente que não compete ao Tribunal determinar aos Estados Partes como deve ser concretizada a medida
porque isso procede do ordenamento jurídico e da decisão de caráter político de cada Estado.
Desse modo, o Uruguai pode cumprir a decisão do juízo arbitral da forma jurídica que lhe seja mais conveniente e que decida adotar. O Tribunal determinou
que os efeitos discriminatórios sejan eliminados logo do decurso do prazo determinado em sua decisão.
3. A decisão do Tribunal, exposta nas duas alíneas acima identificadas, corresponde à formulação do Paraguai no sentido de que a aplicação do IMESI
aos cigarros dessa origem significa, por parte do Uruguai, uma dupla discriminação: uma com respeito aos cigarros de origem uruguaia, e outra com relação
aos cigarros de origem argentina ou brasileira (Estados fronteiriços). A aplicação concreta do IMESI é incompatível com a regra de tratamento nacional
existente no MERCOSUL. Como conseqüência, o fato de que um produto oriundo de um Estado Membro do MERCOSUL receba tratamento distinto ao dado a um produto
similar de outros países do MERCOSUL é discriminatório e contrário ao Artigo 7 do Tratado de Assunção. O Tribunal, em sua decisão, acolhe a demanda paraguaia
expedindo-se por maioria com relação à primeira e por unanimidade com respeito à segunda. Se o Tribunal tivesse acolhido somente a demanda por discriminação
fundada na condição de País Não Fronteiriço, o Uruguai teria podido aplicar aos cigarros paraguaios um IMESI igual ao aplicado aos cigarros de origem
argentina e brasileira. Porém, tendo sido reconhecida pela maioria do Tribunal a existência de discriminação no fato de não dar o tratamento nacional aos
cigarros paraguaios, a execução do Laudo consiste precisamente em fazer cessar toda aplicação discriminatória do IMESI aos cigarros de origem paraguaia.
Portanto, a aplicação do IMESI dada a estes deverá ser a mesma que recebem os cigarros de origem uruguaia.
4. Pelas razões previamente expostas, não cabe incorporar a esta aclaração a obrigação da República Oriental do Uruguai de apresentar um calendário
para as medidas tendentes ao cumprimento do Laudo porque isso implicaria a modificação da decisão e escaparia aos limites deste recurso. Esse pedido
de apresentação de um calendário tampouco foi incluído pelo Paraguai em seus escritos apresentados ao Tribunal. Finalmente, cabe destacar que os
Tribunais Arbitrais costumam estabelecer um prazo para o cumprimento do Laudo, sem por isso determinar um calendário ou uma forma específica para
cumpri-lo.
5. Em face do pedido de aclaração proposto na Alínea III dos escritos do Paraguai, deve-se precisar que a expressão “via administrativa” é relativa
a qualquer ato que seja praticado pela administração uruguaia. Assim, a imposição do IMESI, o qual é discriminatório com respeito ao produto originário do
Paraguai, é um ato administrativo – já que praticado pela administração – que deve cessar, de acordo com o que foi decidido pelo Tribunal Arbitral.
O Tribunal dita, por UNANIMIDADE, o que foi anteriormente exposto. Fica resolvido, desse modo, o pedido de aclaração formulado pela República do
Paraguai e pela República Oriental do Uruguai. Dispõe, outrossim, e por UNANIMIDADE, que os escritos da presente aclaração sejam aditados aos
escritos principais, arquivados na Secretaria Administrativa do MERCOSUL, devidamente notificados às Partes por meio da própria Secretaria, e
publicados sem mais dilação juntamente com o Laudo.
Dr. Luiz Olavo Baptista
Presidente do Tribunal Arbitral |
Dr. Juan Carlos Blanco
Árbitro
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Dr. Evelio Fernández Arévalos
Árbitro |
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