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Laudo Arbitral do Tribunal Arbitral - Laudo II

Laudo do Tribunal Arbitral do MERCOSUL constituído para decidir sobre a reclamação feita pela República Argentina ao Brasil, sobre subsídios à produção e exportação de carne de porco

Na cidade de Assunção do Paraguai, aos 27 dias do mês de setembro de 1999, o Tribunal Arbitral Ad Hoc do MERCOSUL, constituído para decidir sobre a controvérsia entre a República Argentina e o Brasil sobre a existência de subsídios às exportações de carne de porco, se reúne com a finalidade de deliberar e pronunciar sua decisão.

O tribunal está formado por seu Presidente Dr. Jorge Peirano Basso, da República Oriental do Uruguai e pelos Drs. Atilio Aníbal Alterini e Luiz Olavo Baptista, árbitros indicados respectivamente pela República Argentina e pela República Federativa do Brasil, países dos quais são cidadãos e residentes.

O Tribunal foi constituído de acordo com o Protocolo de Brasília de 17 de dezembro de 1991, modificado pelo Protocolo de Ouro Preto, e pela Dec. N° 17/98 do Conselho do Mercado Comum.

RESULTANDO

Início do procedimento perante a Comissão de Comércio do MERCOSUL
1. A controvérsia iniciou-se com a notificação da reclamação apresentada ao Brasil pela Seção Nacional da República Argentina na XXII reunião da Comissão de Comércio do MERCOSUL, em agosto de 1997, por "Subsídios à produção e exportação de carne de porco". Começou, então, a primeira etapa de negociações entre as partes, prevista no Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias no MERCOSUL.

2. Uma vez esgotado o prazo estabelecido no Protocolo de Brasília, sem a obtenção do resultado esperado, a República Argentina apresentou sua reclamação à Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM) na XXV reunião. Na segunda etapa do procedimento, ainda sem alcançar uma solução satisfatória, solicitou a arbitragem, sendo então instalado o Tribunal Arbitral.

Constituição do Tribunal Arbitral

3. O artigo 7, numeral 1 do Protocolo de Brasília dispõe: "Quando a controvérsia não puder ser solucionada mediante a aplicação dos procedimentos referidos nos Capítulos II e III, qualquer dos Estados Partes envolvidos na controvérsia poderá comunicar à Secretaria Administrativa sua intenção de recorrer ao procedimento arbitral que se estabelece no presente protocolo".

4. O Tribunal Arbitral é a segunda etapa de um iter que, neste caso, já teve suas duas primeiras fases desenvolvidas regularmente. O artigo 9 do Protocolo de Brasília estabelece, também, que o procedimento arbitral terá lugar perante um Tribunal Arbitral ad hoc, composto por três árbitros que fazem parte da lista referida no artigo 10.

5. O Professor Doutor Atilio Aníbal Alterini, da Argentina, e o Professor Doutor Luiz Olavo Baptista, do Brasil, foram nomeados árbitros, e o Professor Doutor Jorge Peirano Basso, do Uruguai, Presidente do Tribunal Arbitral. As partes não apresentaram objeções ou impugnações quanto à eleição dos árbitros.

6. Os árbitros aceitaram o cargo e assinaram a declaração à qual se refere a Decisão N° 17/98 do Conselho do Mercado Comum (CMC), e que está arquivada na Secretaria Administrativa do MERCOSUL.

7. Havendo sido constituído no dia sete de abril de 1999, o Tribunal ditou as Regras de Procedimento conforme o disposto pelo artigo 15 do Protocolo de Brasília, e comunicou-as às partes.

8. As regras asseguram o direito de manifestar-se e o princípio de contradizer, além de apresentar e debater, em audiência, argumentos, provas e contraprovas. As regras se orientam a dar um rumo expedito e econômico ao processo.

9. As partes solicitaram em conjunto e em duas oportunidades a suspensão do curso do processo, recebendo a anuência do Tribunal.

10. O primeiro pedido de prorrogação, por 60 dias corridos, foi solicitado no dia 16 de abril de 1999, com vencimento no dia 15 de junho do mesmo ano. O Tribunal fixou o dia 27 de junho de 1999 como data limite para a apresentação das pretensões das partes.

11. No dia 16 de junho, as partes tornaram a solicitar uma prorrogação de 30 dias adicionais, prazo que foi concedido pelo Tribunal Arbitral. Estabeleceu-se o dia 27 de setembro de 1999 como a data da finalização do Processo Arbitral.

12. Os Estados Partes apresentaram seus respectivos trabalhos escritos, informando o Tribunal sobre as instâncias cumpridas anteriormente e expuseram os fundamentos de fato e de direito de suas próprias posições.

13. Os representantes e assessores designados pelos Estados Partes para atuar perante o Tribunal Arbitral compareceram à audiência que se realizou na Secretaria Administrativa do MERCOSUL no dia 7 de setembro de 1999, apresentando seus respectivos argumentos e provas. Outrossim, responderam às perguntas formuladas pelos Árbitros, encerrando, desta forma, a fase probatória.

14. Após a audiência, a República Argentina apresentou um trabalho escrito ampliativo, o qual foi encaminhado ao Brasil. Os árbitros decidiram não examinar os novos elementos apresentados, levando em conta apenas os argumentos que já haviam sido expostos em instâncias anteriores.

15. Dito isto, dá-se início ao exame das posições das partes e seus argumentos de fato e de direito.

Reclamação feita pela República Argentina

16. A reclamação feita pela República Argentina tratou inicialmente sobre os procedimentos e normas brasileiros que considera que caracterizam subsídios à exportação de carne de porco, solicitando a correção por parte do Brasil dessa normativa, por julgar que causam distorções que afetam a competitividade dos produtos argentinos.

17. Tal prática, segundo sua consideração, violaria os compromissos assumidos pelos Estados Partes no Tratado de Assunção, principalmente os que dizem respeito à obrigação de garantir as condições eqüitativas de competitividade para os agentes econômicos da região.

18. A reclamação assinala as medidas que constituiriam subsídios. Posteriormente, foram apresentados à CCM novos fatos e argumentos.

19. A reclamação inicialmente apresentada se referia à existência de estoques públicos de milho (CONAB), ao PROEX e aos Adiantamentos de Contrato de Câmbio (ACC) e Adiantamentos de Contratos de Exportação (ACE). Em seguida, a República Argentina acrescentou novos argumentos referidos a este último item e introduziu uma nova reclamação com relação ao Crédito Presumido do IPI (Crédito Presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados).

20. Essencialmente, a argumentação argentina com respeito à CONAB é a seguinte:

A República Argentina questionou o sistema brasileiro de estoques públicos de milho para a compra, armazenamento e venda do produto, assim como a forma pela qual a CONAB o administra, que inclui o estabelecimento de preços de liberação de estoques (PLE), o qual permitiria a transferência de recursos aos produtores brasileiros de porcos.

Esta transferência ocorreria por meio da estabilização do preço do milho nos períodos de entressafra, evitando seu aumento. Nos ciclos de preços altos no mercado internacional, o mecanismo neutraliza os efeitos do aumento no mercado interno brasileiro, em benefício dos produtores locais de porcos, permitindo-lhes adquirir o cereal a preços inferiores aos vigentes no mercado internacional.

A República Argentina entende que este é um incentivo setorial, cujo benefício se transfere às exportações de carne de porco destinadas ao mercado regional, permitindo a venda dessas mercadorias a um preço inferior ao que teriam se não houvesse a intervenção da CONAB. Por isso, conclui que a carne de porco exportada do Brasil para o MERCOSUL contém um subsídio que prejudica a produção argentina, pelas importações de produtos subvencionados.

Essa prática constituiria uma violação por parte do Brasil da Decisão CMC N° 10/94 que proíbe certos tipos de incentivos à produção e à exportação.

21. Programa de financiamento das exportações (PROEX)

A segunda reclamação feita pela República Argentina refere-se ao PROEX, programa brasileiro de assistência financeira às exportações de bens e serviços, que funciona através de duas modalidades:

a) Equivalência de taxas de juros

Este sistema consiste no pagamento da diferença entre a taxa de captação de recursos admitida pelo Banco Central do Brasil e uma taxa mínima internacional de captação (a referência é o LIBOR).

O financiamento outorgado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) estabelece um spread que é chamado equalização, e é financiado pelo Tesouro Nacional com recursos estabelecidos anualmente pelo Poder Executivo.

b) Financiamento de exportações de bens e serviços

Este sistema é realizado através do PROEX, mediante o desconto dos títulos representativos nas exportações a prazo. O montante financiado atinge 85% do capital e a taxa de juro cobrada pelos empréstimos corresponde à taxa LIBOR, conforme é divulgada pelo Banco Central do Brasil.

O uso do PROEX em qualquer de suas formas de operações de exportação ao MERCOSUL constitui, segundo a parte reclamante, um incentivo brasileiro à exportação, proibido pela Decisão CMC N° 10/94.

Isso porque representa um subsídio aos bancos financiadores, destinado a beneficiar as exportações. Portanto, constitui uma intervenção direta do governo brasileiro que subsidia a diferença de taxas aos bancos que operam com o programa, utilizando fundos que provêm do Tesouro Nacional. A diferença entre as taxas de juros dá ao exportador brasileiro uma vantagem financeira que lhe permite exportar a um preço menor em relação ao preço resultante de operações financeiras utilizando as taxas de juros internas vigentes para as vendas destinadas ao mercado interno.

22. Uso de outros instrumentos financeiros (ACC e ACE)

A Argentina reclama que as exportações brasileiras se beneficiam também com outros mecanismos promocionais de financiamento às exportações, transgredindo o que estabelece a Decisão CMC N° 10/94.

Os instrumentos financeiros usados são o Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC) e um Adiantamento de Contrato de Exportação (ACE), os quais são pactuados entre empresas exportadoras e bancos comerciais do Brasil.

A parte reclamante alega que a intervenção estatal, mediante a utilização dos mecanismos do ACE e ACC, permite que os exportadores brasileiros estipulem em conjunto com os bancos comerciais, taxas de juros de 12 a 15% ao ano, em dólares. A taxa de juro interna estaria em torno de 30%.

Os ACC e ACE oferecem taxas de juros reduzidas porque o governo brasileiro intervém no mercado financeiro sancionando normas que isentam as entidades financeiras das obrigações fiscais e monetárias.

Estes privilégios tornam mais barato o custo dos empréstimos feitos a taxas de juros reduzidas artificialmente, em um nível inferior ao que deveria vigorar nas condições do mercado.

A República Argentina afirma que a Decisão CMC N° 10/94 não habilita os Estados Partes a implementar mecanismos de promoção de exportações de natureza financeira para bens de consumo.

No caso dos ACC e ACE, tais incentivos seriam:

a) Arbitragem de taxas de juros

A diferença entre as taxas de juros do mercado e as obtidas através do ACC e ACE, daria um pretexto para a prática da arbitragem das taxas de juros.

O lucro derivado da arbitragem financeira daria ao exportador brasileiro a possibilidade de reinvestir os recursos obtidos através do ACC e ACE a taxas de juros internas em reais. Desta forma, seriam obtidos lucros em função da diferença entre as taxas de juros interna e externa, gerada pelo mecanismo do subsídio.

b) Isenção do IOF

O Decreto N° 2219 de maio de 1997 que reduz a alíquota do imposto sobre as operações financeiras (IOF) de 25% para 0% para as operações de câmbio vinculadas às exportações de bens e serviços, seria um incentivo aos bancos para a concessão dos ACC e ACE. A Portaria do Ministério da Fazenda N° 05/99 exclui as operações de câmbio do aumento generalizado das alíquotas de IOF, mantendo a vantagem.

c) Isenção do encaixe

A circular do Banco Central N° 2534 de 11/01/95 que elimina o requisito de encaixe das operações ACC e ACE seria outra forma de incentivar os bancos para que dêem vantagens aos exportadores.

23. Crédito Presumido do IPI (Ressarcimento do PIS/ da COFINS)

Através desta concessão, o governo brasileiro devolve ao produtor exportador o valor das contribuições do PIS e da COFINS das compras de matérias-primas e produtos intermediários dos bens destinados à exportação. Este ressarcimento é realizado através de um " Crédito Presumido do IPI" equivalente a 5,37% sobre o custo dos insumos da cadeia produtiva.

Segundo a parte reclamante, o subsídio é o seguinte:

a) A devolução (5,37%) é superior ao pagamento do PIS e COFINS, nos casos dos produtos e insumos que não requerem várias etapas de elaboração como a carne de porco. Isto representa, para a empresa produtora ou exportadora, a concessão de um crédito fiscal que excede o débito que efetivamente incide nas contribuições sociais e que permite oferecer um preço mais baixo, transformando-se em uma vantagem competitiva para os produtores brasileiros de carne de porco.

b) Segundo as normas vigentes do Acordo sobre Subvenções e Medidas Compensatórias da OMC, o PIS e a COFINS não podem ser restituídos pelo fato de serem contribuições sociais.

Além disso, o ressarcimento dessas contribuições não se inclui entre as exceções previstas no art. 12 da Dec. CMC N° 10/94.

Resposta do Brasil

24. Desde o início do procedimento, o Brasil negou a admissibilidade das reclamações argentinas.

25. O governo brasileiro alegou, como questão preliminar, que o argumento referente ao "Crédito Presumido do IPI" e os argumentos adicionais sobre o ACC e o ACE não constavam no objetivo da Reclamação Argentina. Entente que, de acordo ao estabelecido no art. 28 da Decisão CMC N° 17/98 que regulamenta o procedimento arbitral instituído pelo Protocolo de Brasília, somente devem ser considerados os fatos e os argumentos apresentados no início da reclamação.

A resposta brasileira refuta a argumentação argentina em quatro aspectos:

26. Sistemas de estoques públicos de milho.

No exame desta questão, o Brasil rejeita a afirmação da Argentina de que houve violação da Decisão CMC N° 10/94 já que a parte reclamante refere-se a incentivos às exportações e não a incentivos à produção. Se houvesse incentivo, alega, não seria à exportação, mas sim à produção de milho. O governo brasileiro afirma que as compras governamentais mantêm os preços do milho e não têm como objeto beneficiar os produtores de porcos na aquisição desse insumo.

Outrossim, o Brasil afirma que, até o presente, não existe nenhuma norma do MERCOSUL que proíba o sistema de estoques públicos de milho ou a manutenção dos preços de produtos agrícolas.

Além disso, sustenta que não há relação entre a formação e a venda dos estoques e os supostos incentivos às exportações. Como a venda é feita em licitações públicas, o preço de venda é o preço de mercado estabelecido nessas licitações.

O governo brasileiro argumenta que as vendas são feitas a um valor não inferior às condições vigentes do mercado e, por conseguinte, não existe benefício aos produtores de carne de porco no sentido do art. I do ASMC.

Afirma que os preços do milho no mercado brasileiro acompanham a tendência dos preços existentes nos mercados externos de referência, e apresenta uma série histórica de preços de milho para demonstrar que estes habitualmente se mantiveram acima dos preços externos de referência. Ainda assim, se houvesse algum benefício, este favoreceria tanto as vendas externas de carne de porco, como as vendas do mercado doméstico, não constituindo subsídio.

O governo brasileiro conclui que a prática de manutenção de preços ao produtor agrícola foi comunicada à OMC e é lícita conforme as regras desta Organização.

Finalmente, declara que a Decisão CMC N° 10/94 é um compromisso meramente programático, sem prazo de cumprimento predeterminado.

27. Programa de financiamento às exportações (PROEX)

Para o governo brasileiro, a reclamação argentina a respeito do PROEX é improcedente porque o Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio aprovou a Portaria N° 93 de 23/03/99, estabelecendo a impossibilidade de utilizar o PROEX em suas duas modalidades para as exportações de bens de consumo destinados ao MERCOSUL.

Reafirma sua posição sustentando que não utilizou o PROEX nas exportações de bens de consumo para os países do MERCOSUL.

28. Uso de outros instrumentos financeiros (ACC e ACE)

De acordo com a resposta brasileira, as operações de ACC e ACE se realizam internamente na esfera privada, sem intervenção do setor público e não supõem contribuições financeiras por parte do governo, não existindo concessão de nenhum benefício. Ademais, o ACC e o ACE não são operações de crédito, e sim um adiantamento de preço de compra de moeda estrangeiraconcedido pelos bancos.

Julga igualmente improcedente a afirmação da reclamante sobre a isenção para os ACC/ACE do mecanismo de encaixe obrigatório regulado pelo Banco Central.

a) Arbitragem de taxas de juros.

Com relação à alegação argentina de que foi criado um sistema de arbitragem para favorecer os exportadores de carne de porco, o Brasil responde afirmando que não há nenhum mecanismo formal desse tipo criado ou administrado pelo governo. Existe apenas uma realidade de mercado que é o custo de ocasião que permite que o exportador possa efetuar transitoriamente investimentos no mercado financeiro nacional, podendo obter lucros pela diferença de taxas, até o momento de destinar os recursos à produção da mercadoria exportada.

A desnaturalização da operação do ACC está proibida pela regulamentação do Banco Central, aplicando-se uma severa multa no caso de descumprimento do compromisso do exportador de embarcar a mercadoria.

b) Isenção do IOF

A respeito da isenção do IOF, o Brasil sustenta que a alíquota deste imposto é zero, devido ao fato de que, para a legislação brasileira, isso não constitui financiamento. O governo brasileiro afirma que os ACC e ACE são compras, a modo de divisas, realizadas pelos bancos e pelas operações de venda de moeda estrangeira, e a esses efeitos, não estão sujeitas ao IOF.

Esclarece que se não fosse efetuado o embarque da mercadoria e o contrato de câmbio fosse cancelado, a operação estaria sujeita ao IOF.

c) Isenção do encaixe obrigatório para os bancos

O Brasil declara que tampouco procede a argumentação da reclamante sobre o privilégio da isenção do encaixe obrigatório, conferido aos ACC/ACE pelo Banco Central.

No caso de ACC/ACE não existe o encaixe obrigatório do Banco Central de acordo com a regra geral aplicada a todas as operações financeiras passivas.

29. Crédito Presumido do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)

Para o governo Brasileiro não há subsídio nem violação da Decisão CMC N° 10/94 porque as contribuições do PIS e da COFINS constituem tributações indiretas e, portanto, seu ressarcimento é permitido tanto pela Decisão CMC N° 10/94 como pelas regras da OMC.

O PIS/COFINS é um imposto indireto para o sistema jurídico brasileiro em razão da caracterização de seu fato gerador. Por sua vez, a operação de crédito presumido é apenas um registro de débito/crédito, não podendo haver um ressarcimento superior ao pagamento efetuado. Por conseguinte, não há subsídio à exportação.

30. Conclusões da CCM

De acordo ao estabelecido no art. 21 do Protocolo de Ouro Preto e seu Anexo, a Comissão de Comércio do MERCOSUL examinou a reclamação na reunião do dia 3 de fevereiro de 1998 (Ata N°1/98) e, ante a impossibilidade de alcançar uma solução consentida, convocou um Comitê Técnico para analisar a controvérsia.

Finalmente, na reunião realizada em 3 de março de 1998 (Ata N° 2/98), os membros do Comitê Técnico, impossibilitados de alcançar uma conclusão comum, apresentaram suas conclusões separadamente, dando lugar ao início da etapa arbitral pelas partes envolvidas.

CONSIDERANDO

Aspectos do Procedimento

31. O presente Tribunal foi constituído em conformidade com o Protocolo de Brasília e seu Regulamento, e com o Protocolo de Ouro Preto. Particulamente, foram sintetizadas as etapas prévias à arbitragem requeridas pelo Protocolo de Ouro Preto perante a Comissão de Comércio do MERCOSUL (Reuniões de agosto de 1997, dezembro de 1997 e março de 1998), a reunião bilateral de Estados (outubro de 1997), o Comitê Técnico (março de 1998), e o Grupo Mercado Comum (XXIX Reunião).

32. O procedimento arbitral foi iniciado pela República Argentina em resposta à Reclamação efetuada pela Associação Argentina de Produtores Porcinos, pela Sociedade Rural Argentina, pela Câmara de Exportadores da República Argentina e Confederações Rurais Argentinas ante a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum da República Argentina, com base no disposto pelo Cap. IV do Protocolo de Brasília.

33. O Protocolo de Brasília trata dois tipos de controvérsias: a) as que surgem entre os Estados Partes (Capítulos I, II, III e IV) e, b) as formuladas como conseqüência de reclamações de particulares (Capítulos V e VI).

34. Em ambos os casos o texto prevê um procedimento composto por três etapas necessárias e sucessivas. A finalização de qualquer das duas primeiras etapas não produz efeitos jurídicos, exceto o de habilitar a instância seguinte. Uma vez mais, em ambos os casos, a terceira etapa constitui uma arbitragem, a qual está regulada pelas mesmas disposições.

35. O anteriormente expresso merece ser destacado por evidenciar que o exercício da função jurisdicional é próprio e específico unicamente da etapa arbitral. Ao contrário, não está presente nas etapas prévias.

36. Especificamente quanto aos procedimentos para a solução de controvérsias promovidos por particulares - como ocorre neste caso - estes deverão fornecer à Seção Nacional correspondente os elementos de prova que permitam comprovar a verossimilhança da violação da ordem jurídica aplicável, assim como a existência ou ameaça de prejuízo.

37. A esse respeito, o numeral 1 do art. 26 do Protocolo de Brasília dispõe que "Os particulares afetados formalizarão as reclamações perante a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte onde tenham sua residência habitual ou a sede de seus negócios". O numeral 2 da mesma norma acrescenta que "Os particulares deverão fornecer elementos que permitam à referida Seção Nacional determinar a verossimilhança da violação e a existência ou ameaça de um prejuízo".

38. Da clareza do conteúdo da disposição acima transcrita, deduz-se que a Seção Nacional analisa o que no Direito processual é conhecido como "fumus bonis juris", ou seja, em que elementos se apoia a verossimilhança do direito que possa assistr o particular concretamente no caso formulado e de seu prejuízo. Evidentemente, nesta etapa ainda não começou a funcionar o procedimento arbitral, seu único efeito é - no caso de que a avaliação da Seção Nacional seja positiva - habilitar o ingresso à etapa seguinte. Só depois que forem superadas favoravelmente as etapas prévias, dá-se início ao procedimento arbitral, de natureza jurisdicional.

39. De acordo com o art. 25 do Protocolo de Brasília, o procedimento previsto por iniciativa dos particulares só é válido a partir da "sanção ou aplicação, por quaisquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatório ou de concorrência desleal, em violação ao Tratado de Assunção, aos Acordos celebrados no âmbito desse tratado, às Decisões do Conselho do Mercado Comum ou às Resoluções do Grupo Mercado Comum". O Protocolo de Ouro Preto acrescenta a este artigo as Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL (art. 43, parágrafo único).

40. No âmbito do processo arbitral propriamente dito regem as normas e princípios gerais em matéria jurisdicional, razão pela qual deverão ser provadas as afirmações realizadas pelas partes. Assim como ocorre nos Direitos Processuais Internos, a certificação prévia que possa ter sido realizada em processos anteriores ou cautelares, não exime as partes da apresentação da respectiva prova no processo principal.

41. Conseqüentemente, conforme o parecer do Tribunal, não é suficiente que se alegue a sanção ou a aplicação, por parte de qualquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatório, ou de concorrência desleal contra o sistema normativo do MERCOSUL, sendo também necessário que apresentem provas da existência ou da ameaça de um prejuízo derivado de tal violação.

42. A fim de resolver a controvérsia, o Tribunal deverá considerar e avaliar a prova oferecida pelas partes no presente procedimento, de acordo com as regras do bom senso e com as Regras de Procedimento adotadas por este Tribunal.

Objeto do litígio

43. O procedimento de solução de controvérsias no MERCOSUL se desenvolve em diferentes fases. Se não houver acordo na etapa de negociação diplomática, dá-se início à segunda etapa que é a arbitral. Estes procedimentos formam parte de um mesmo item, destinado a encontrar uma solução para o conflito.

44. O objeto das controvérsias entre Estados, tanto quando ocorrem diretamente entre eles, ou por apresentação de reclamações de particulares, é determinado quando o Estado reclamante apresenta sua reclamação e o Estado reclamado contesta, aceitando-a, total ou parcialmente, ou rejeitando-a. Quando o objeto da controvérsia é estabelecido na etapa das negociações diplomáticas, a partir desse momento, as partes envolvidas já não podem apresentar modificações com respeito ao objeto do litígio. Se admitíssemos na fase arbitral reclamações não alegadas na fase anterior, estaríamos aceitando que pode-se desprezar a fase diplomática para ir diretamente à fase arbitral, o qual violenta a letra e o espírito do procedimento de solução de controvérsias do MERCOSUL.

45. No entanto, é preciso levar em conta que isto não significa que as partes não possam complementar ou aprofundar a argumentação na qual está baseada sua reclamação ou oposição, segundo o caso, já que isto não seria outra coisa que exercer seu direito de defesa.

46. Neste momento, é importante recordar o laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc do MERCOSUL (de 28 de abril de 1999, N° 53) "...... Está claro que tanto o Protocolo de Brasília como o de Ouro Preto, ao preverem etapas anteriores à arbitragem, impõem que não se pode agregar, nesta última instância, qualquer questão não processada nos escalões anteriores, e os trabalhos escritos de apresentação e contestação ante o Tribunal deverão ajustar-se a essa regra".

47. O objeto da controvérsia divide-se substancialmente em três pontos básicos que surgem a partir da Reclamação inicial feita pela República Argentina perante a Comissão de Comércio do MERCOSUL, e estão vinculados à existência ou não de subsídios à produção e exportação de carne de porco pelo Brasil.

48. O primeiro ponto da controvérsia questiona se a aplicação do Sistema de Estoques Públicos de Milho, estabelecido pela Lei N° 8.171 de 17/01/91 e pela Portaria Interministerial N° 182 de 22/08/94 do governo do Brasil, implica a concessão de subsídios incompatíveis com as normas do MERCOSUL.

49. O segundo ponto da controvérsia é a reclamação vinculada ao Programa de Financiamento de Exportações (PROEX), sancionado pelo governo do Brasil mediante a Lei N° 9.198 de 1/06/91, tanto em sua modalidade de financiamento de exportações de bens e serviços como de equalização de taxas.

50. O terceiro ponto da controvérsia refere-se à utilização dos mecanismos do ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio) e do ACE (Adiantamento de Contrato de Exportação) por parte dos exportadores brasileiros.

Nesta matéria, a reclamação original da República Argentina não especificava em que consistiam os subsídios e o financiamento de exportações pelo governo do Brasil, limitando-se a assinalar o efeito econômico que tais mecanismos geravam sobre as taxas de juros e sobre a possibilidade de arbitragem financeira. Não obstante, na apresentação realizada perante este Tribunal, a República Argentina especificou quais eram os subsídios mencionados, sustentando que os mesmos consistiam em isenções e reduções tributárias e isenção de encaixes.

Embora o Estado Parte tenha a obrigação de detalhar com precisão o objeto da reclamação no momento da promoção do reclamo inicial, havendo dúvidas a respeito do cumprimento desse requisito pela República Argentina, este Tribunal inclina-se a aceitar, no presente caso, os esclarecimentos e novas fundamentações efetuados pela parte reclamante.

Portanto, o terceiro ponto da controvérsia discute se as isenções ou reduções tributárias e a isenção do encaixe obrigatório aos mecanismos do ACC e ACE constituem subsídios à exportação, proibidos pela normativa do MERCOSUL.

51. Este tribunal entende que a reclamação vinculada ao Crédito Presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), através do qual as contribuições são ressarcidas nas exportações do Programa de Integração Social (PIS), do Programa de Formação do Patrimônio do Serviço Público (PASEP) e da Contribuição ao Financiamento da SegurIdade Social (COFINS), está fora do objeto do processo. Tal reclamação não foi apresentada formalmente no reclamo inicial da República Argentina perante a Comissão de Comércio do MERCOSUL.

52. Antes de passar a considerar os pontos objeto do litígio, convém precisar as fontes normativas que o Tribunal deverá contemplar para a resolução do presente conflito.

Âmbito Jurídico Aplicável

53. O Protocolo de Brasília enuncia as fontes normativas do Mercosul, estabelecendo em seu artigo 19 que: " O Tribunal Arbitral deliberará a controvérsia com base nas disposições do Tratado de Assunção, dos Acordos celebrados em seu âmbito, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum, assim como dos princípios e disposições do direito internacional aplicáveis na matéria". Essa exposição consagra um Direito originário constituído pelas normas dos tratados e seus anexos e os acordos entre os Estados e um direito derivado formado pelas Decisões do Conselho do Mercado Comum e pelas Resoluções do Grupo Mercado Comum.

54. O Protocolo de Ouro Preto acrescentou, como fonte normativa do Mercosul, as Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL (art. 41). Tal Tratado esclarece que as normas emanadas dos órgãos do Mercosul (Conselho do Mercado Comum, Grupo Mercado Comum e Comissão de Comércio do Mercosul) "terão caráter obrigatório e, quando necessário, deverão ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país" (art. 42).

55. O fato de que determinadas normas requeiram implementação posterior não significa que as mesmas careçam de valor, mas sim que os Estados têm a obrigação de não frustrar sua aplicação, assim como o cumprimento dos fins do Tratado de Assunção e seus Protocolos complementares. Neste sentido, cabe recuperar a perspectiva final do processo de integração do MERCOSUL, reafirmada no Laudo do Tribunal Ad Hoc (com data de 28 de abril de 1999, num. 57), que destaca que: "O enfoque teleológico é ainda mais evidente nos tratados e instrumentos que conformam organismos internacionais ou configuram processos ou mecanismos de integração. Em oposição a outros instrumentos de certo modo estáticos, onde os direitos e obrigações esgotam-se em alguns poucos atos de execução, naqueles casos constitui um âmbito, uma estrutura, para desenvolver atividades variadas e múltiplas, onde a valorização teleológica das obrigações e das atividades ocupa um lugar central sob pena de perder todo o sentido"; e num. 65 que diz: "....Desta maneira, a liberação comercial, obstáculo tradicional das tentativas anteriores de integração latino-americana, consistiria na massa crítica necessária para impulsionar as demais ações em direção ao Mercado Comum, rompendo a tradicional linha de resistência aos esforços anteriores de integração".

Esta convicção é comum entre todos os Estados Membros do MERCOSUL, conforme manifestado pelas Partes durante o processo.

56. A aplicabilidade das normas e fins do Tratado de Assunção deve realizar-se, ademais, a partir de uma óptica integradora com as normas e princípios que regulam o direito internacional. Convém recordar que o Protocolo de Brasília consagra expressamente como fonte normativa do MERCOSUL "os princípios e disposições do direito internacional aplicável na matéria" (art. 19). Tal referência adquire relevância especial num processo de integração em formação e em pleno curso de aprofundamento, o qual requer uma constante elaboração normativa interna e a coordenação das políticas do bloco com as normas que regem o comércio internacional.

57. Em um nível mais amplo que o regional, as relações comerciais internacionais são regidas pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Neste âmbito, as restrições à concessão de subsídios à exportação estão reguladas pelo Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC). No seio da OMC estão contidas as regras da ALADI e, em um círculo mais interno, as normas do MERCOSUL. Todas essas normas pretendem assegurar condições de livre comércio que caracterizam e amparam um processo de integração.

58. No âmbito regional, dentro da relação de fontes normativas aplicáveis ao caso, assume especial relevância a análise da Decisão do Conselho do Mercado Comum N° 10/94 sobre a Harmonização para a Aplicação e Utilização de Incentivos às Exportações por parte dos Países Integrantes do MERCOSUL, tratando-se de uma Decisão emanada de um órgão com supremacia institucional e hierárquica dentro da organização do MERCOSUL, que contém disposições sobre restrições aos incentivos às exportações.

59. Segundo o critério desse sistema normativo é que deverá ser abordada a dilucidação da controvérsia apresentada, a cujos efeitos torna.-se indispensável desentranhar o conceito de subsídio, tanto no âmbito internacional da OMC, como no âmbito regional do MERCOSUL.

Conceito de Subsídio

60. Durante a Rodada de Tóquio, ainda sob a vigência do GATT, foi elaborado o antigo Código sobre Subsídios e Medidas Compensatórias. Sua regulação defeituosa deu origem a muitas controvérsias, especialmente entre os Estados Unidos e a União Européia, o qual determinou que a Rodada Uruguai do GATT formulasse a definição de um novo conceito de subsídio.

61. No âmbito da OMC, foi assinalado que a existência de subsídios exige a configuração de três elementos: a existência de uma contribuição financeira do governo, a existência de um benefício e que o subsídio seja específico.

62. Conforme o art. 1 do ASMC, a existência de uma contribuição financeira pode surgir a partir de um governo, ou de um organismo público e deve implicar alguma das seguintes hipóteses: a) 1) (i) uma contribuição de fundos (como doações, empréstimos e contribuições de capital); ou uma transferência direta ou potencial de fundos; ou a assunção de uma obrigação (como garantia de empréstimos); (ii) uma co-doação ou não arrecadação de ingressos públicos que em outro caso seriam arrecadados (como no caso de incentivos fiscais ou créditos fiscais); (iii) o fornecimento de bens ou serviços (que não sejam de infra-estrutura geral) ou a compra de bens; (iv) a realização de pagamentos pelo governo para um mecanismo de financiamento ou a encomenda pelo governo a uma entidade privada de uma ou várias das funções antes descritas que normalmente seriam de sua incumbência; a) 2) a existência de alguma forma de manutenção dos ingressos ou dos preços.

63. A segunda condição para que exista um subsídio é a existência de um benefício. O benefício foi encarado como uma vantagem dada a uma empresa ou setor de produção, através de uma ação do governo, em termos mais vantajosos que a prática usual do mercado.

64. A terceira condição é que o subsídio seja específico (art. 2). Para determinar se um subsídio é específico para uma empresa ou setor de produção, ou um grupo de empresas ou setores de produção, dentro da jurisdição da autoridade outorgante, devem ser aplicados os seguintes princípios: 2.1 a) o subsídio é específico se a autoridade ou a legislação pertinente limita explicitamente o acesso a um subsídio para certas empresas ou setores de produção; b) O subsídio não é específico se a autoridade ou a legislação estabelecer critérios objetivos ou condições de elegibilidade para o subsídio ou para sua quantia, desde que a elegibilidade seja automática e claramente determinada por lei, regulamento ou documento oficial; c) Na determinação de especificidade outros fatores podem ser considerados, como por exemplo: o uso de um programa de subsídios para um número limitado de empresas, ou o uso predominante do subsídio por certas empresas, a concessão de quantidades excessivamente altas de subsídios a determinadas empresas e a forma como a autoridade outorgante tenha exercido faculdades discricionárias na decisão de conceder o subsídio. 2.2) Considerar-se-á específico quando o subsídio for limitado a certas empresas localizadas dentro de uma região geográfica determinada, da jurisdição da autoridade outorgante.

65. No âmbito da OMC, três categorias de subsídios foram estabelecidas: proibidos (vermelhos), recorríveis (amarelos) e não recorríveis (verdes). Foram previstos diferentes tipos de recursos para cada uma das categorias.

i) Subsídios vermelhos ou proibidos

Dois tipos de subsídios são considerados vermelhos ou proibidos: a) os subsídios supeditados de direito ou de fato aos resultados de exportação, como condição única ou entre outras várias condições; b) os subsídios vinculados ao emprego de produtos nacionais preferentemente aos importados como condição única ou entre outras várias condições. O Anexo I do ASMC contém uma Lista Ilustrativa de Subsídios à Exportação.

No caso de subsídio proibido, dois tipos de recursos foram previstos. Se um membro tiver razões para acreditar que outro membro concede ou mantém um subsídio proibido, o primeiro poderá pedir ao segundo a celebração de consultas. Também poderá pedir o estabelecimento de um painel para analisar o conflito, dentro do Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC e, se for o caso, aplicar contramedidas apropriadas na eventualidade de que o outro membro não termine com a prática do subsídio.

ii) Subsídios amarelos ou recorríveis

São considerados subsídios recorríveis aqueles que causam dano ao setor de produção nacional de outro membro, ou prejuízo grave aos interesses de outro membro, anulação, ou menoscabo das vantagens concedidas direta ou indiretamente a outros membros, em particular das vantagens de concessões tarifárias.

No caso dos subsídios recorríveis, dois tipos de recursos foram previstos: a celebração do mecanismo de consultas; ou o pedido de estabelecimento de um painel dentro do Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC, com o objetivo de eliminar a prática de subsídios.

Caso o subsídio estiver causando dano à indústria doméstica, o membro pode iniciar uma investigação interna para a aplicação de medidas compensatórias, dentro das regras estabelecidas pelo Acordo.

iii) Subsídios verdes ou não recorríveis

O Acordo estabelece que serão considerados não recorríveis os seguintes subsídios: a) Os subsídios que não sejam específicos; b) Os subsídios que sejam específicos mas que cumpram as condições estabelecidas no Acordo. O Acordo acrescenta que não serão recorríveis os seguintes subsídios, mesmo que sejam específicos: a assistência a atividades de pesquisa em determinadas condições; a assistência a regiões desfavorecidas situadas no território de um país membro, prestada com vistas a um âmbito geral de desenvolvimento regional, com determinadas condições de renda per capita e desemprego; a assistência para promover a adaptação de instalações existentes a novas exigências ambientais impostas por leis e/ou regulamentos, impondo determinadas condições.

No caso de subsídios não recorríveis, dois tipos de recursos foram previstos no Acordo. O mecanismo de consulta, quando o país membro tiver razões para acreditar que tal programa causou efeitos desfavoráveis graves para seu setor de produção nacional, capazes de provocar um prejuízo dificilmente reparável ou, se for o caso, submeter o assunto ao Comitê sobre Subsídios, o qual pode recomendar alterações ao programa de forma a eliminar seus efeitos adversos.

66. No âmbito regional, a Decisão N° 10/94, em seu art. 1, estipula que: "Os Estados Partes se comprometem a aplicar incentivos às exportações que respeitem as disposições resultantes dos compromissos assumidos no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e de forma compatível com o disposto na presente Decisão". Embora a redação da Decisão N° 10/94 seja anterior à definição atual de subsídios do ASMC dada pela Rodada Uruguai, não contraria nenhuma disposição do novo sistema da OMC, sendo apenas mais estrita, e tem o propósito de alcançar a liberalização progressiva do comércio e a eliminação dos obstáculos que pesam sobre o livre comércio entre as Nações do MERCOSUL.

67. A Decisão N° 10/94 contém previsões expressas sobre determinados incentivos à exportação, tais como: benefícios cambiais (art. 3), créditos de fomento e financiamento às exportações por parte dos Estados Membros (art. 4), reembolso de impostos indiretos (art. 5), isenção do pagamento de impostos internos indiretos (art. 6), regime de admissão temporária (art.7), depósito aduaneiro (art. 8), depósito industrial (art. 9) e exceções (art. 12). A Decisão estabelece expressamente em seu art. 10 que: "Serão considerados subsídios derivados da aplicação dos regimes mencionados nos Artigos 6, 7, 8 e 9, a devolução, suspenção ou isenção de gravames à importação de mercadorias a serem utilizadas em processos produtivos de bens de exportação cuja quantia exceda os montantes efetivamente pagos, suspensos ou eximidos".

68. Os pontos objeto de controvérsia deverão ser considerados sob os critérios desse âmbito conceitual.

Sistema de regulação de estoque de milho (CONAB)

69. A República Argentina alega a existência de subsídios à produção de carne de porco por parte do Brasil, mediante o sistema da CONAB de constituição e manutenção de estoques reguladores e estratégicos criados pela Lei N° 8171/91 e pelas Portarias Interministeriais 657/91 e 182/94, cujos benefícios se transfeririam às exportações de carne de porco.

70. A República Argentina questiona tal sistema, entre outras razões, porque o preço ao qual a CONAB vende a mercadoria não teria nenhuma relação com o preço pago pela compra, o que determinaria a possibilidade de venda a um preço inferior ao de compra, sendo essa diferença absorvida pelo Tesouro Nacional.

71. Deixando a salvo que não foi provado no presente procedimento arbitral que tenha sido feita alguma transferência de recursos do Tesouro Nacional à CONAB em algum período concreto, ao contrário, surge a partir das provas fornecidas pelos Estados Partes que, no período de janeiro de 1990 a novembro de 1998, o preço interno do milho esteve acima dos preços internacionais - com a exceção de alguns meses (março/setembro de 1996), assim como também não ficou provado de que forma incidiria uma eventual transferência de recursos do Tesouro Nacional sobre os preços de exportação de carne de porco, cabe igualmente realizar algumas considerações gerais a respeito do sistema que questionam a existência de subsídios não permitidos pela normativa do ASMC ou pela normativa MERCOSUL.

72. Em primeiro lugar, o sistema da CONAB foi instituído com um caráter geral para constituir e manter estoques reguladores e estratégicos de diversos produtos agrícolas, entre os quais o milho, com o objetivo de garantir a compra ao produtor, assegurar o abastecimento e regular a estabilização do preço no mercado interno. Tal sistema implica um certo grau de intervencionismo do Estado brasileiro na agricultura que, independentemente de sua vantagem ou conveniência, ou inclusive de sua necessidade de harmonização com as políticas agropecuárias dos demais países membros do MERCOSUL, reveste um grau de generalidade tal que transcende totalmente a produção e a exportação de carne de porco.

73. Do ponto de vista técnico, este Tribunal deve considerar se tal sistema constitui uma política específica para os produtores de carne porcina do Brasil, tal como o requer o art. 2 do ASMC, considerando se o acesso aos benefícios do sistema está limitado a certas empresas ou setores de produção; ou se a utilização dos benefícios na prática está circunscrita a um número limitado de empresas ou se cria uma situação de fato equiparável a de direito.

74. Pois bem, resulta claro que o benefício não reveste tal caráter de especificidade. O fato de que a venda seja realizada através de licitações públicas às quais têm acesso todos os operadores do mercado, inclusive outros setores da produção nacional brasileira, como também operadores de outros países da região, descarta toda e qualquer possibilidade de especificidade.

75. Este Tribunal considera que o sistema da CONAB também não configura um descumprimento do art. 11 da Decisão N° 10/94, o qual dispõe que os Estados Partes "instrumentarão as medidas que sejam necessárias para evitar que outros incentivos setoriais, regionais ou tributários, que o âmbito normativo interno reconhece a favor da atividade produtiva/exportadora, sejam aplicados ao comércio intra-regional". Tal norma, além de não ser diretamente aplicável ao sistema da CONAB, requer implementação, não sendo diretamente invocável como geradora de direitos ou obrigações concretas.

76. Pelos fundamentos expostos, a reclamação do Governo da República Argentina em matéria de sistema de estoques públicos de milho da CONAB não procede.

PROEX

77. O sistema de Programa de Financiamento de Exportações (PROEX) sancionado pelo governo do Brasil mediante a Lei N° 9.198 de 1/06/91 e, posteriormente, derrogado pela Medida Provisória N° 1.771-25 de 8/04/99, está fora de discussão entre as partes, a partir do momento em que o Brasil manifestou que a Portaria MDIC 93 de 23 de março de 1999 "torna insubsistente o objeto da Reclamação no que a ela se refere" (Memorial apresentado ante este Tribunal Arbitral).

78. O Representante desse país, na audiência celebrada no dia 7 de setembro de 1999, manifestou que "o petitório da Argentina foi cumprido", porque o Brasil decidiu não permitir a utilização do PROEX para o MERCOSUL em qualquer de suas modalidades, ou seja, substancialmente, a de financiamento às exportações e de equalização de taxas de juros para as exportações de bens de consumo no MERCOSUL.

79. Por conseguinte, cabe resolver este aspecto da controvérsia declarando que o Brasil entende que já foi cumprida a pretensão da República Argentina ao haver proibido a utilização do Programa de Financiamento para Exportações (PROEX) em qualquer de suas modalidades, para bens de consumo no MERCOSUL (incluindo as exportações de carne porcina).

Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC) e adiantamento de Contrato de Exportação (ACE).

80. A República Argentina afirma que os mecanismos de financiamento às exportações de Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC) e Adiantamento de Contrato de Exportação (ACE) criados pelo Brasil, são beneficiados por reduções ou isenções tributárias, e de outra ordem, que contrariam a Decisão do CMC N° 10/94.

81. Por outro lado, o Brasil sustenta que os mecanismos do ACC e ACE são instrumentos de mercado dos bancos privados e não mecanismos de financiamento oferecidos pelo governo, e não constituem subsídios nos termos do artigo 1.1. do ASMC, nem estão cobertos pela Decisão N° 10/94. Argumenta que o equívoco básico da Reclamação argentina consiste em pressupor a natureza creditícia das operações, quando os ACC e ACE constituem adiantamentos de entrega de valor, em moeda nacional, prevista no contrato de compra ou venda de câmbio. Tratar-se-ía da contrapartida antecipada da obrigação recíproca do exportador de entregar ao banco a moeda estrangeira futura.

82. Este Tribunal não compartilha a argumentação do caráter não creditício dos mecanismos do ACC e ACE, considerando que são instrumentos financeiros que têm por efeito fornecer financiamento por parte dos bancos privados aos exportadores, o qual estes últimos deverão devolver no momento do pagamento da exportação.

83. Cabe analisar, então, se as isenções ou reduções tributárias estabelecidas pelo Brasil constituem incentivos à exportação cobertos pela Decisão N° 10/94. Tais benefícios consistem na redução da alíquota do Imposto às Operações Financeiras (IOF) de 25% para 0%, para operações de câmbio vinculadas a exportações de bens e serviços; a redução para 0% da alíquota da Contribuição Provisória sobre Movimento ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF) aos ACC; e a redução para 0% da alíquota do Imposto de Renda sobre os lucros nos casos de juros e comissões por créditos obtidos no exterior com destino ao financiamento de exportações e de juros sobre o desconto no exterior de títulos cambiais de exportação e das comissões relativas a tais títulos. Outrossim, outro benefício consiste na isenção do requisito de encaixe obrigatório e às operações ativas de ACC e ACE disposta pelo governo do Brasil, embora o mesmo tenha sido suspenso.

84. O âmbito de aplicação da Decisão N° 10/94 sobre incentivos às exportações está dado por seu art. 1, o qual estabelece que: "Os Estados Partes se comprometem a aplicar incentivos às exportações que respeitem as disposições resultantes dos compromissos assumidos no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e de forma compatível com o disposto na presente Decisão".

85. A remissão genérica às normas do GATT determina a necessidade de analisar se as isenções ou reduções em questão configuram subsídios no âmbito do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC). A este respeito, o Anexo I do ASMC estabelece que serão considerados subsídios proibidos a concessão pelos governos de créditos aos exportadores a taxas inferiores àquelas que devem pagar realmente para obter os fundos empregados com este fim (ou a aquelas que teriam que pagar se recorressem aos mercados internacionais de capital para obter fundos no mesmo prazo, com as condições de crédito e na mesma moeda utilizada nos créditos para a exportação), ou o pagamento da totalidade ou parte dos custos aos quais devem fazer face os exportadores ou instituições financeiras para a obtenção de créditos, sempre que sejam utilizados para obter uma vantagem importante nas condições dos créditos para a exportação.

86. A Decisão N° 10/94 contém uma disposição similar em seu art. 4: " Os Estados Partes poderão conceder créditos de fomento e financiamento a suas exportações quando os mesmos sejam outorgados em condições, de prazos e taxas de juros, compatíveis com as condições aceitas nternacionalmente em operações equivalentes".

87. Embora ambas as normas se refiram a financiamentos outorgados pelos Estados, o qual não ocorre no caso dos instrumentos do ACC e ACE, marcam também um princípio quanto ao conceito de subsídio vinculado ao financiamento de exportações, o qual estaria assim configurado quando as condições de financiamento se afastassem das taxas de juros compatíveis aceitas internacionalmente em operações equivalentes. Parece claro, ademais, que não seria possível realizar uma violação indireta de tais normas internacionais. Nesse caso, haveria subsídio, entre outros aspectos, porque o próprio conceito de contribuição financeira dos Estados contido no ASMC supõe a co-doação e não arrecadação de ingressos públicos que em outro caso seriam arrecadados (como no caso dos incentivos fiscais ou créditos fiscais).

88. A configuração de subsídio depende, por conseguinte, de elementos de fato, vinculados, neste caso, ao nível das taxas de juros efetivamente aplicadas mediante os instrumentos do ACC e ACE às exportações de carne de porco.

89. A Decisão N° 10/94 sobre incentivos à exportação não contém previsões expressas sobre os incentivos tributários ao financiamento das exportações em questão. Não obstante, tais aspectos estão regulados dentro da norma genérica contida no inc. 2 do art. 11, a qual estabelece que os Estados Membros instrumentarão as medidas que sejam necessárias para evitar que "outros incentivos setoriais, regionais ou tributários, que o âmbito normativo interno reconhece a favor da atividade produtiva/exportadora, sejam aplicados ao comércio intra-regional". Trata-se de um compromisso assumido pelos Estados Membros destinado a evitar que os incentivos não previstos em tal norma distorçam o desenvolvimento do comércio intra-regional e a consolidação do mercado comum, objetivo final do processo de integração.

90. Tal compromisso foi materializado, ademais, através da institucionalização do mecanismo de consultas, "ao qual deverão recorrer os Estados Membros para a criação ou concessão de qualquer novo incentivo às exportações por parte de algum dos Estados Partes, a partir de 1°/01/95, assim como do Mercosul, mediante o qual, o Estado que se vir afetado pela aplicação de incentivos, "apresentará à Comissão de Comércio do Mercosul os elementos probatórios a fim de que tal organismo, após avaliar a documentação apresentada e, em um prazo não superior a noventa dias, submeta suas conclusões ao Grupo Mercado Comum" (Dec. N° 10/94, art. 14).

91. Conseqüentemente, a eventualidade de que sejam criados novos incentivos à exportação fora dos já expressamente previstos e regulados, ou que existam diferenças entre os Estados a respeito dos existentes, conta com um mecanismo de consulta (Dec. N° 10/94, art. 2) e de um procedimento de reclamação (Dec. N° 10/94, art. 14) que têm por finalidade evitar e procurar solucionar distorções ao desenvolvimento do comércio intra-regional.

92. Sem dúvida, tal atividade de coordenação das políticas de incentivos à exportação, assim como de outras medidas de coordenação macroeconômica, resulta em um imperativo que os Estados Membros deverão cumprir para a execução dos fins do Tratado de Assunção e de compromissos concretos, a fim de tornar possível o avanço a um estado superior de integração como é um Mercado Comum.

93. Do ponto de vista da presente arbitragem, entretanto, é necessário determinar se os incentivos ao financiamento de exportações brasileiras de carne porcina, mediante os instrumentos do ACC e ACE beneficiados com a utilização de isenções ou reduções tributárias e de política monetária, têm causado algum efeito restritivo, discriminatório ou de concorrência desleal em violação à normativa que regula o MERCOSUL, e se, além disso, causam prejuízo ou ameaça de prejuízo aos particulares ou setores de atividade dos particulares que iniciaram a Reclamação (art. 25 e 26 do Protocolo de Brasília).

94. Como vimos, tais aspectos vinculados à Reclamação dos particulares devem ser objeto de prova pelo Estado Parte que apresentou a reclamação, não existindo no caso elementos de convicção suficientes que provem que os referidos instrumentos de financiamento às exportações, com os benefícios tributários mencionados geram prejuízo ou ameaça de prejuízo aos setores de produção de carne de porcos da República Argentina.

95. Também não ficou provado que os exportadores brasileiros de porcos utilizam o referido mecanismo com a finalidade principal de realizar uma arbitragem financeira, a fim de usufruir da diferença existente entre as taxas que se obtêm através do ACC e do ACE e as taxas do mercado financeiro interno. Não obstante, se fosse provada tal circunstância, demonstrando-se o efeito que tal mecanismo tem ou poderia chegar a ter sobre o preço de exportação, estaria comprovada a existência de prejuízo.

96. Em função do anterior, este Tribunal deverá denegar a reclamação apresentada pela República Argentina com relação aos incentivos de financiamento mediante os mecanismos do ACC e ACE, por entender que não foram suficientemente provados os prejuízos aos particulares que deram início à reclamação.

DECISÃO

Pelo exposto, em virtude dos fundamentos expressos nos Considerandos anteriores, o Tribunal decide por unanimidade:

I. Por maioria, não aceitar a reclamação apresentada pela República Argentina relativa à aplicação do Sistema da CONAB pelo Brasil.

II. Por unanimidade, declarar procedente a reclamação da República Argentina com relação à utilização do Programa de Financiamento para Exportações (PROEX), aceita expressamente pela República Federativa do Brasil, e em seu mérito, declarar que, a partir de 29 de março de 1999, somente poderão ser objeto de financiamento PROEX as exportações com destino MECOSUL que envolvam bens de capital a longo prazo e que observem as condições de prazo e de taxas de juros compatíveis com aquelas aceitas internacionalmente em operações equivalentes.

III. Por unanimidade, não aceitar a reclamação apresentada pela República Argentina com relação aos mecanismos do ACC e ACE, aplicados pela República Federativa do Brasil.

IV. Por unanimidade, dispor que os custos e custas do processo sejam pagos da seguinte maneira: Cada Estado estará encarregado das despesas ocasionadas pela atuação do Árbitro por ele nomeado. A compensação pecuniária do Presidente e das demais despesas do Tribunal serão pagas em montantes iguais pelas Partes. Os pagamentos correspondentes deverão ser realizados pelas Partes através da Secretaria Administrativa do Mercosul, dentro do prazo de trinta dias a partir da notificação do laudo.

V. Por unanimidade, dispor que os autos da presente instância sejam arquivados na Secretaria Administrativa do MERCOSUL.

VI. Notificar esta decisão às Partes por intermédio da Secretaria Administrativa do Mercosul e publicá-la.

 

Dr. Jorge Peirano Basso
Árbitro Presidente

Dr. Atilio Aníbal Alterini
Árbitro

Dr. Luiz Olavo Baptista
Árbitro