Laudo do Tribunal Arbitral - Laudo VI
Laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc do MERCOSUL constituído para entender da controversia presentada pela
República Oriental do Uruguai à República Federativa do Brasil sobre “Proibição de
Importação de Pneumáticos Remoldados (Remolded) Procedentes de Uruguai”
Na cidade de Montevidéu, República Oriental do Uruguai, aos 9 dias do mês de janeiro de 2002,
TENDO EM VISTA:
Para Laudo as presentes atuações ante este Tribunal Arbitral relativas à controvérsia entre a República Oriental do Uruguai (Parte Reclamante,
doravante “Uruguai”) e a República Federativa do Brasil (Parte Reclamada, doravante “Brasil”) sobre “Proibição de Importação de Pneumáticos
Remoldados (Remolded) Procedentes do Uruguai”
I.- RESULTANDO
A. O Tribunal Arbitral
O Tribunal Arbitral, constituído para decidir sobre a presente controvérsia em conformidade com o Protocolo de Brasília para a Solução de
Controvérsias no MERCOSUL datado de 17 de dezembro de 1991, está formado pelos árbitros Dr. Raúl Emilio Vinuesa da República Argentina (Presidente
do Tribunal), pela Dra. Maristela Basso da República Federativa do Brasil e pelo Dr. Ronald Herbert da República Oriental do Uruguai.
O Presidente foi devidamente notificado de sua nomeação, sendo o Tribunal constituído, instalado e posto em funcionamento em 17 de setembro de 2001.
O Tribunal celebrou sua primeira reunião na sede da Secretaria Administrativa do MERCOSUL em 12 de outubro de 2001 e adotou suas Regras
de Procedimento. As Partes foram convidadas a designar seus respectivos Representantes e constituir seus domicílios legais. O Tribunal convidou-as
também a submeter por sua ordem os trabalhos escritos de apresentação e de contestação.
Os trabalhos escritos foram apresentados dentro dos prazos previstos e recebidos pelo Tribunal, o qual participou o conteúdo de cada trabalho a
ambas as Partes. As representações foram credenciadas e os domicílios constituídos. As provas documentais apresentadas por cada Parte foram
admitidas, comunicadas à outra Parte e anexadas ao expediente.
O Tribunal convocou as Partes para uma Audiência a ser realizada na sede da Secretaria Administrativa do MERCOSUL (SAM) no dia 3 de dezembro de
2001. As Partes solicitaram uma suspensão dos prazos processuais, a qual foi concedida, estabelecendo-se uma nova data para a Audiência convocada.
A Audiência foi celebrada na sede da SAM em Montevidéu no dia 18 de dezembro de 2001. As Partes apresentaram suas alegações orais e o Tribunal
formulou perguntas que foram respondidas pelas Partes. O Tribunal ordenou a apresentação escrita dos resumos das posições de cada parte em
conformidade com o artigo 15.3 de seu Regulamento. Uma vez recebidos ambos os escritos, o Tribunal procedeu à elaboração do Laudo Arbitral. As
notificações e comunicações do Tribunal às Partes, assim como a recepção das comunicações e dos trabalhos escritos das Partes, foram realizadas por
intermédio da SAM. Em 28 de novembro de 2001, o Tribunal decidiu fazer uso da prorrogação por trinta dias do prazo para expedição, notificando as
Partes de tal decisão, em conformidade com o Artigo 20 do Protocolo de Brasília. Em 28 de dezembro de 2001, o Tribunal solicitou às Partes uma
extensão do prazo para produzir seu Laudo Arbitral. Tendo sido concedida pelas Partes a extensão solicitada, o Tribunal reuniu-se nos dias 8 e 9
de janeiro de 2002 na sede da SAM, em Montevidéu.
As atuações do Tribunal que antecedem este Laudo Arbitral, consignadas nas Atas e anexos às Atas de acordo com as Regras de Procedimento, seguem
anexas a estes autos.
B. Representantes das Partes.
A República Oriental do Uruguai designou o Dr. José María Robaina, o Dr. Roberto Puceiro, o Engenheiro Washington Duran, o Ministro Conselheiro
Ricardo Nario e o Engenheiro Luis Plouvier como seus representantes; a República Federativa do Brasil designou o Sr. Enrique Augusto Gabriel como
seu representante titular e como assessores os Srs. André Alvim de Paula Rizzo, Mario Canabarro Abad, Márcio Bicalho Cozendey, Marcelo Baumbach e
as Sras. Liliam Beatriz Chagas de Moura e Daniela Arruda Benjamín.
C. Tramitação
O Tribunal Arbitral foi constituído em conformidade com o Protocolo de Brasília, seu Regulamento e o Protocolo de Ouro Preto, sendo cumpridos
todos os termos e condições estabelecidas nesses instrumentos a fim de dar início às presentes atuações arbitrais. As etapas anteriores à arbitragem,
prescritas nas normas relativas à solução de controvérsias do Protocolo de Brasília e do Protocolo de Ouro Preto, foram devidamente observadas.
O Uruguai, através da Nota N° 538/2001 de 15 de março de 2001, solicitou ao Brasil o início de negociações diretas em conformidade com os Artigos
2º e 3º do Capítulo II do Protocolo de Brasília, relativas à proibição da importação de pneumáticos remoldados procedentes do Uruguai. Esta situação
foi comunicada à Secretaria Administrativa do MERCOSUL pela Nota N° 541/2001.
No dia 23 de abril de 2001 foram levadas a cabo, na cidade de Assunção, negociações diretas entre as Partes, não se alcançando, porém, solução
alguma.
O Uruguai comunicou ao Brasil, pela Nota N° 1.136/2001 de 31 de maio de 2001, sua decisão de dar por encerrada a etapa de negociações, prevendo-se
que a questão fosse considerada na seguinte reunião do Grupo Mercado Comum, em conformidade com o Artigo 4º, alínea 1, do Capítulo III do
Protocolo de Brasília.
O Uruguai, através da Nota N° 1119/2001 de 31 de maio de 2001, solicitou à Presidência Pro Tempore que a controvérsia fosse incluída na agenda da
seguinte reunião do Grupo Mercado Comum.
Nos dias 12 e 13 de junho de 2001, a controvérsia foi considerada no transcurso da XLII Reunião Ordinária do Grupo Mercado Comum, celebrada em
Assunção. Foi novamente tratada durante a XXI Reunião Extraordinária do Grupo Mercado Comum, celebrada em Montevidéu em 13 de julho de 2001. Não
tendo sido alcançado acordo durante essa reunião, decidiu-se dar por encerrada a intervenção do Grupo Mercado Comum.
O Uruguai iniciou o procedimento arbitral em conformidade com o Capítulo IV do Protocolo de Brasília, contra o Brasil, por proibição de importação
de pneumáticos remoldados de origem uruguaia ao mercado brasileiro. Mediante a Nota N° 1798 de 27 de agosto de 2001, o Governo do Uruguai
notificou a SAM sua decisão de iniciar tal procedimento, solicitando por sua vez que notificasse sua decisão ao Brasil e ao Grupo Mercado Comum e
iniciasse as tramitações necessárias para o seguimento normal dos procedimentos arbitrais em conformidade com o Artigo 7º § 2º do Protocolo
de Brasília.
As Atuações do Tribunal foram registradas pela Secretaria Administrativa do MERCOSUL e realizadas conforme o Protocolo de Brasília, seu
Regulamento, o Protocolo de Ouro Preto e suas próprias Regras de Procedimento. Ambas as Partes apresentaram oportunamente as argumentações
e os fundamentos em seus respectivos trabalhos escritos e cumpriram os termos estabelecidos para produzir provas. As atuações das Partes
efetuaram-se em conformidade com os instrumentos legais do MERCOSUL. Conseqüentemente, e tendo em conta os alcances previstos pelo Artigo 20 do
Protocolo de Brasília, o Tribunal possui plena capacidade para emitir este Laudo no presente caso com forma, efeitos e alcances estabelecidos pelos
Artigos 20 e 21 do Protocolo de Brasília e pelo Artigo 18 de seu Regulamento.
D. Alegações das Partes
1). Reclamação do Uruguai
O Uruguai, como parte Reclamante, manifesta:
Que o objeto da controvérsia está constituído pela Portaria da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior (SECEX) N° 8/00 de 25 de setembro de 2000, a qual dispôs a não concessão de licenças de importação de pneumáticos recauchutados e
usados, classificados na posição 4012 da Nomenclatura Comum do MERCOSUL (NCM), seja para consumo ou uso como matéria-prima (Prova I, doc.1), como
também por outros atos normativos ou medidas que direta ou indiretamente impeçam o acesso dessas mercadorias ao mercado brasileiro.
Anteriormente à Portaria N° 8/00, a Portaria N° 8/91, de 13 de maio de 1991 (ProvaI, doc. 2) já havia proibido a importação de pneumáticos “usados”
(classificados na Subposição NCM 4012.20), mas não proibia a importação dos pneumáticos recauchutados (classificados na Subposição NCM 4012.10).
A importação de pneumáticos “recauchutados” foi autorizada durante o período de dez anos que mediou entre a Portaria N° 8/91 e a Portaria N° 8/00.
A Subposição NCM 4012.10 (“pneumáticos recauchutados”) refere-se tecnicamente aos pneumáticos “reformados”, que incluem: os “remoldados” (objeto
desta controvérsia), os “recauchutados” e os “recapados”, distinguindo-se da Subposição NCM 4012.20 que faz referência aos pneumáticos “usados”.
A proibição estabelecida pela Portaria N° 8/00, ao fazer alusão genericamente à Posição NCM 4012, introduziu uma proibição nova ao estender a que
anteriormente alcançava unicamente os pneumáticos “usados” aos três tipos de pneumáticos “reformados”, violando diversas normas vigentes no MERCOSUL,
especialmente as disposições do Tratado de Assunção e de seu Anexo I, a Decisão do Conselho do Mercado Comum N° 22/00 e os princípios gerais do direito.
Em virtude do expresso, a empresa SERISUR S.A., cuja principal atividade consiste na reconstrução de pneumáticos para a exportação, viu-se impedida
de continuar exportando ao Brasil pneumáticos “remoldados” como vinha fazendo até a entrada em vigor da Portaria N° 8/00, provocando-lhe graves
prejuízos (Prova 3).
Que, além da SERISUR S.A., qualquer empresa uruguaia está impedida hoje de exportar tal mercadoria ao Brasil.
Que, entendendo que a Portaria N° 8/00 viola a normativa do MERCOSUL, foram cumpridas as etapas procedimentais exigidas pelo Protocolo de Brasília.
A Parte Reclamante apresenta uma formulação histórica do caso referindo-se a) ao âmbito normativo que precedeu o pronunciamento da Portaria N° 8/00;
b) a o critério com que tal âmbito normativo foi aplicado pelos órgãos competentes brasileiros; e c) à substancial modificação que introduziu a
referida Portaria N° 8/00.
Com respeito ao âmbito normativo precedente à Portaria N° 8/00, o Uruguai afirma que:
a) O art. 27 da Portaria N° 8/91 (ditada pelo Ministério de Economia, Fazenda e Planejamento) proibia a importação de bens de consumo (neste
caso, pneumáticos) “usados” (Prova I, doc. 2);
b) A Portaria N° 1/92 habilitava a importação de pneumáticos sob certas condições (Prova I, doc. 14);
c) A Portaria N° 18/92 revogou a Portaria N° 1/92, tornando-se a aplicar a proibição do art. 27 da Portaria N° 8/91 (Prova I, doc. 15);
d) A Portaria N° 8/00 de 25 de setembro de 2000 (do atual Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) revogou a Portaria N°
8/91, dispondo a não concessão de licenças de importação de pneumáticos, tanto usados como recauchutados, classificados na posição NCM 4012 (Prova
I, doc. 1);
e) Antes dessa data, em 19 de setembro de 2000, já havia sido comunicado aos operadores de comércio exterior do Brasil que começavam a ser
exigidas licenças de importação prévia para os pneumáticos recauchutados classificados na Posição NCM 4012 (Prova I, doc.16), o que já constituía
uma violação da Decisão N° 22/00 do Conselho do Mercado Comum, pela qual os Estados se comprometeram a não adotar nenhuma medida restritiva ao
comércio recíproco, fosse qual fosse sua natureza (Prova II, doc. 17).
Com relação ao critério com que o âmbito normativo que precedeu a questionada Portaria N° 8/00 foi aplicado pelos órgãos competentes brasileiros, o
Uruguai afirma que:
a) Antes de ser ditada a mencionada Portaria N° 8/00, os pneumáticos remoldados, classificados na Subposição NCM 4012.10, podiam ser exportados
do Uruguai ao Brasil – e de fato eram exportados –, sendo assim durante o período compreendido entre a entrada em vigor da Portaria N° 8/91 e a
entrada em vigor da Portaria N° 8/00;
b) A circunstância de pneumáticos cuja importação nesse lapso era considerada proibida pelas autoridades brasileiras abrangia unicamente os
“usados” classificados pela Subposição NCM 4012.20, e não os “recauchutados” classificados na Subposição NCM 4012.10 – aos quais não
alcançava tal proibição –, o que põe em evidência que as autoridades do Brasil em caso algum consideraram os pneumáticos “recauchutados”
(“reformados”) como pneumáticos “usados”;
c) Dita conclusão resulta do ininterrupto fluxo comercial de pneumáticos classificados na Subposição NCM 4012.10 importados pelo Brasil durante
praticamente os dez anos que mediaram entre a Portaria N° 8/91 e a Portaria N° 8/00. O fato de que a firma SERISUR S.A. tenha realizado
várias exportações no período compreendido entre os anos 1996 e 2001 (Prova II, doc.18 com anexos) e as informações estatísticas do “Comércio
Exterior do Brasil” (Prova IV, doc.19) assim o consignam;
d) Diversas autoridades do Brasil admitiram formalmente a procedência das importações de pneumáticos “reformados” durante esse lapso, a modo de
exemplo, o Parecer datado de 06/4/98 da “Divisão da Legislação Nacional” – DILEG – da Coordenação Geral do Sistema Aduaneiro – COANA – da Secretaria
da Receita Federal, que estabelece uma clara distinção entre os pneumáticos classificados na Subposição NCM 4012.10 e os classificados na
Subposição NCM 4012.20, não a admitindo sequer na relação gênero-espécie, atribuindo-lhes diferentes tratamentos jurídicos e concluindo que a
proibição que afeta os pneumáticos classificados na Subposição NCM 4012.20 não afeta os classificados na Subposição NCM 4012.10 (Prova IV, doc.20);
e) Estando vigente a proibição de importação de pneumáticos “usados” (Portaria N° 8/91) e como resultado de uma consulta do Paraguai
(registrada na SAM como Nota Técnica N° 23/95), o Departamento Técnico de Intercâmbio Comercial do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo do
Brasil informou que as importações brasileiras de pneumáticos recauchutados não estavam sujeitas a restrições de caráter legal ou
administrativo (Prova IV, doc. 21);
f) As respostas do Brasil relacionadas com a Consulta N° 32/98, apresentada a esse país na XXXIII Reunião da Comissão de Comércio do
MERCOSUL pela Argentina, Paraguai e Uruguai, concernentes a aspectos considerados discriminatórios do “Projeto de resolução sobre regime de
controle e destruição ou reciclagem de pneumáticos inservíveis”, são prova inequívoca da posição do Brasil com respeito à procedência da importação
dos pneumáticos “recauchutados” (“reformados”) durante a vigência da proibição estabelecida pela Portaria N° 8/91 sobre pneumáticos “usados”
(Prova V, doc. 23). As respostas às consultas registradas nas atas N° 1/00, apresentada na XXXIX Reunião da Comissão de Comércio (Prova V, docs.
24 e 25) e N° 5/00 apresentada na XLIII Reunião da Comissão de Comércio (Prova V, doc. 26 e 27), e a Nota Técnica da ata N° 1/01, apresentada pelo
Brasil na XLVII Reunião da Comissão de Comércio (Prova V, doc. 28), põem em evidência que as autoridades do Brasil em momento algum consideraram
que os pneumáticos recauchutados (reformados) não pudessem ser importados a tal país, sendo que a problemática que deu lugar à consulta 32/98
reconhecia tais importações como pressuposto.
g) A possibilidade de importar pneumáticos durante o lapso referido surge igualmente inequívoca da própria Resolução N° 258/99, de 26/8/99, do
Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA – na qual se converteu tal projeto sobre o regime de controle e destruição ou reciclagem de pneumáticos
inservíveis (especialmente das normas do art. 3°, alínea “b” dos itens III e IV e do art. 2°, alínea III), que admite o fato da importação de
pneumáticos reformados – recapados, recauchutados e remoldados – classificados como “recauchutados” pela NCM. No art. 4° de sua Resolução N° 23/96,
de 12/12/96, o próprio CONAMA faz uma clara distinção entre pneumáticos usados e pneumáticos reformados tanto em matéria de defesa ambiental como a
respeito do regime de importação ao qual estão sujeitos. Isto é confirmado por uma sentença judicial do Julgado da Primeira Vara Federal do Rio Grande
a respeito de uma medida cautelar (Prova V, doc.30). No parecer da parte reclamante, o recentemente exposto joga por terra qualquer pretensão de que
a mudança de critério que se questiona – a extensão da proibição de importação de pneumáticos “usados” aos pneumáticos “recauchutados” (“reformados”)
– pudesse responder a motivações de defesa do meio ambiente, extremo que por outro lado o Brasil não invoca como fundamento de tal mudança de critério;
h) A posição do Brasil durante o lapso existente entre a Portaria N° 8/91 e a Portaria N° 8/00, no sentido de permitir a importação de pneumáticos
recauchutados (reformados), não estendendo a tais bens a proibição consagrada a respeito dos pneumáticos usados pela Portaria N° 8/91, foi confirmada pelo
INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) na opinião de 06/10/2000 perante uma consulta formulada pela Associação
Brasileira de Indústria de Pneumáticos Remoldados (Prova V, doc.31), concluindo que, por definição, um pneumático remoldado não pode ser confundido com
um pneumático usado; opinião confirmada na Nota Técnica sobre pneumáticos reformados, objeto da Portaria N° 8/00 de 25/9/00 (Prova V, doc. 32).
Pronunciam-se também afirmativamente quanto à diferença substancial entre um pneumático usado e um pneumático remoldado o Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT – (Prova V, doc. 33), a Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos
e da Amazônia Legal, o Laboratório Tecnológico do Uruguai –LATU – (Prova V, doc. 35) e a Norma MERCOSUL 225:2000 (Prova V, doc. 36).
Quanto à substancial modificação introduzida pela questionada Portaria N° 8/00, a respeito do âmbito normativo precedente e dos critérios com que
tal âmbito foi aplicado pelos órgãos do Brasil, a Parte Reclamante afirma que:
a) De acordo com o indicado anteriormente, até a colocação em vigência da questionada Portaria N° 8/00 as autoridades do Brasil haviam agido
de maneira consistente por estarem proibidas as importações a esse país de pneumáticos “usados”, mas não as importações de pneumáticos “recauchutados”
(“reformados”).
Tal critério era consistente também com a NCM que classificava os pneumáticos “recauchutados” na Subposição 4012.10 e os pneumáticos “usados” na
Subposição 4012.20, sendo que as próprias normas brasileiras acolhiam tal distinção (como, por exemplo, a Portaria do DECEX N° 01 de 9/1/92, Prova I,
doc.14);
b) A Portaria N° 8/00 não se limita a acolher uma proibição preexistente, mas consagra uma nova proibição ao estender a proibição de importação
aos pneumáticos “recauchutados” (“reformados”) – cuja importação não estava proibida antes da entrada em vigor dessa Portaria –. A própria fórmula da
Portaria N° 8/00 dá ao manifesto que não tem por finalidade interpretar uma norma anterior – como parece surgir da resposta à consulta N° 48/00
formulada pelo Paraguai e pelo Uruguai (Prova V, docs.37 y 38) – posto que não apenas derroga a norma supostamente interpretada, passando a referir-se
a pneumáticos “usados” (por um lado) e a “recauchutados” (por outro) quando no passado somente havia utilizado a expressão “usados” (Prova I, doc.15).
A Parte Reclamante rejeita, outrossim, a eventual pretensão do Brasil de fundamentar a legitimidade de seu comportamento sobre outras bases, a
saber:
a) o razoamento de que a NCM reduz a classificação de pneumáticos a “novos” e “usados”, posto que a Posição NCM 4011 refere-se aos “novos”
enquanto a Posição NCM 4012 se desagrega, distinguindo entre “recauchutados” (“reformados”) – NCM 4012.10 – e “usados” – NCM 4012.20 –
. O Brasil pretende incluir estes últimos na Subposição NCM 4012.10 para submetê-los ao mesmo regime de importação evitando, erro imperdoável, a
referida desagregação da Posição NCM 4012;
b) a liberdade de cada Estado para determinar livre e unilateralmente o conceito de bens “usados”, quer por interpretação de disposições
internas aplicáveis à matéria, quer por razões de proteção ao meio ambiente. Embora a Resolução N° 109/94 do Grupo Mercado Comum instrua a Comissão
de Comércio para apresentar um Regulamento Comum sobre a importação de bens usados, indicando que os Estados Partes aplicarão suas respectivas
legislações nacionais sobre a importação de bens usados enquanto tal regulamento comum não for aprovado, isso não supõe dar aos Estados total
liberdade para a determinação do que há de entender-se por bem usado, porque os mesmos não podem violar normas técnicas, nem critérios da NCM,
nem o bom senso;
c) a suposiço da Portaria N° 8/00 da mera aclaração e retificação de uma anterior má interpretação ou má aplicação das normas vigentes por
algumas autoridades brasileiras, já que às argumentações precedentes cabe acrescentar que essa é uma questão puramente interna do Brasil que não
pode afetar a terceiros Estados;
d) a resposta da Portaria N° 8/00 a novas medidas de proteção do meio ambiente porque isso não é compatível com o alcance meramente
interpretativo que o Brasil atribuiu a essa norma, assim como tampouco pode coexistir com a citada Resolução N° 258/99 do CONAMA.
A Parte Reclamante acrescenta que autoridades do Brasil emitiram normas que manifestam o propósito inequívoco de impedir ou obstaculizar a
importação de pneumáticos reformados no sentido da questionada Portaria N° 8/00 como, por exemplo, o Decreto N° 3.919, de 14/9/01, que agrega ao
Decreto N° 3179 de 21/9/99 o art. 47 A, o qual prevê a aplicação de multas especiais para o caso de importação de pneumáticos reformados (Prova V,
doc.40); e a Portaria N° 123 do INMETRO, de 27/9/01, estabelecendo exigências técnicas adicionais aos pneumáticos reformados no exterior com
respeito aos reformados no Brasil (Prova V, doc.41). Estas normas e similares, que tenham sido ou possam vir a ser ditadas, violam a normativa
do MERCOSUL da mesma forma que a Portaria N° 8/00, razão pela qual devem também ser incluídas no objeto da presente controvérsia.
O Uruguai afirma que a Portaria N° 8/00 e as disposições que obstaculizam a importação de pneumáticos reformados violam o Tratado de Assunção,
a Decisão N° 22/00 do Conselho do Mercado Comum (CMC) e os princípios gerais de direito, segundo o que segue:
A respeito da Decisão N° 22/00 da CMC: a Portaria N° 8/00, ao consagrar uma nova proibição à importação de pneumáticos “recauchutados” (“reformados”)
– que até sua entrada em vigor se importavam fluidamente do Uruguai – constitui uma violação à Decisão Nº 22/00, de 29/6/00, do CMC regente desde julho
de 2000, pouco tempo antes da data em que o Brasil ditou a Portaria Nº 8/00. Embora a Decisão Nº 22/00, que obriga a não adotar medidas restritivas ao
comércio recíproco, diga que isso se refere a certas restrições dispostas na norma do Artigo 2º alínea b) do Anexo I ao Tratado de Assunção, que por sua
vez faz referência ao Artigo 50 do Tratado de Montevidéu de 1980, a proibição de importação consagrada pela Portaria Nº 8/00 não está amparada em nenhuma
das hipóteses previstas nesta última, o qual nunca foi objetado nem contestado pelo Brasil.
A respeito do Tratado de Assunção: a Portaria Nº 8/00 violou as seguintes normas do Tratado de Assunção: a do Artigo 1º, a do artigo 1 do Anexo I e
a do artigo 10 inc. 2 do mesmo Anexo.
Com relação aos Princípios Gerais de Direito Internacional: a Portaria Nº 8/00 afeta os princípios “pacta sunt servanda” e de “boa fé” (Convenção de
Viena sobre Direito dos Tratados, arts.18, 26 e 33.1), os quais adquirem mais relevância e aprofundamento nos processos de integração – cuja
formação sucessiva exige considerar o cúmulo normativo que o vai conformando –, conforme foi ressaltado por Laudos Arbitrais anteriores;
também afeta o princípio do estoppel ou venire contra factum proprium (art. 45 da citada Convenção) em virtude da inconsistência entre as
alegações do Brasil e sua conduta prévia a respeito deste caso.
Em conseqüência do anteriormente exposto, a parte reclamante solicita ao Tribunal Arbitral que declare que as medidas adotadas pelo Brasil e
impugnadas pelo Uruguai segundo sua Reclamação – especialmente a Portaria Nº 8/00 – são violadoras da normativa do MERCOSUL anteriormente referida
e, portanto, que ordene ao Brasil que proceda a declarar a nulidade de todas as medidas referidas e permita o livre acesso a seu território dos
pneumáticos remoldados exportados do Uruguai e sua comercialização no mercado interno.
2) Resposta do Brasil
O Brasil, como Parte Reclamada, manifesta:
Que o objeto da controvérsia deve limitar-se à Portaria SECEX Nº 8/00, já que foi a única levada em consideração nas fases anteriores ao
procedimento arbitral previsto no Protocolo de Brasília, não sendo razoável, sob pena de romper o equilíbrio entre as Partes envolvidas,
admitir nesta fase a introdução de fatos novos que viessem ampliar o espectro da reclamação, citando a favor de sua afirmação a posição adotada
por dois Tribunais Ad Hoc que atuaram em reclamações precedentes.
O Decreto Nº 3.919/01 e a Portaria INMETRO Nº 133/01 foram adotados por distintos órgãos no contexto de medidas que têm relação com o meio
ambiente e a proteção dos consumidores, respectivamente e, portanto, não poderiam ser qualificados como medidas modificadoras da Portaria SECEX Nº
8/00. Outrossim, a inclusão de “qualquer outra medida tendente a obstaculizar o acesso ao território brasileiro e a comercialização interna
de tais mercadorias” no objeto da controvérsia deixa indefinido este objeto, impedindo uma adequada defesa da legalidade destas medidas à luz
dos compromissos do MERCOSUL.
Ademais, o Brasil afirma que o Uruguai não demonstrou disposição para utilizar plenamente as possibilidades da fase de negociações diretas que
precederam a instauração do Tribunal Arbitral. A reunião do dia 23 de abril de 2001 teria sido finalizada, por insistência do Uruguai,
aproximadamente quinze minutos logo de seu início, sem que o Governo brasileiro tivesse sido “sequer informado, com clareza, sobre os
argumentos que tornavam possível a controvérsia”.
O Governo brasileiro afirmou também que, reconhecendo o grande rigor atribuído à implementação da Portaria DECEX Nº 8/91, assim como à
obrigação estabelecida no Protocolo de Brasília de buscar primeiro a solução de controvérsias por meio de negociações diretas, procurou durante
todo o tempo que antecedeu a fase arbitral encontrar uma solução viável para o tema do comércio de pneumáticos entre os dois países, de forma
compatível com a legislação brasileira sobre bens usados, sem obter, no entanto, aceitação pela outra Parte.
No tocante especificamente à Portaria SECEX Nº 08/00, à luz do disposto na Resolução GMC Nº 109/94, a Portaria SECEX Nº 08/00 disciplina o regime
de importação de bens usados existente no Brasil, vigente nesse país desde 1991 (Portaria DECEX Nº 8/91) e que, de acordo com o Governo brasileiro,
inclui pneumáticos recauchutados. No entender do Governo brasileiro, os pneumáticos recauchutados são bens usados, independentemente de terem sido
objeto de algum tipo de processo industrial que tenha em vista restituir-lhes parte de suas características originais ou prolongar sua vida útil.
Nesse sentido, estão compreendidos nas disciplinas estabelecidas pela Portaria DECEX Nº 8/91.
Com a adoção da Portaria Nº 8/00, procurou-se reprimir as importações de pneumáticos recauchutados que existiam em função, basicamente, de falhas
no sistema informatizado de comércio exterior do Brasil (SISCOMEX) que, com a finalidade de conceder licenças de importação, considera somente a
condição de usado de um bem, sem menção específica à NCM, inclusive porque, na maioria dos casos, a nomenclatura não permite distinguir entre
bens usados ou novos. Ao não estar consignado, no espaço correspondente do SICOMEX, que se tratava de material usado, vários importadores haviam
conseguido burlar a proibição de importação de bens usados, obtendo o respectivo registro de importação para pneumáticos recauchutados. Esse
fluxo de importação que houve no Brasil nos últimos anos, proveniente do erro no preenchimento dos documentos necessários à importação, não
constituiria, entretanto, reconhecimento de sua licitude pelo Governo brasileiro.
Afirmou-se que os termos “usados” e “recauchutados” seriam meramente leigos, comerciais, e não técnico-científicos, “utilizados unicamente na
diferenciação de dois produtos que se distinguem apenas pelo acréscimo de valor concedido a um deles”.
Essa situação estaria fortalecida por estarem ambos na mesma posição da NCM, havendo diferenciação somente em sua subposição. A NCM não teria por
finalidade definir a natureza de novo ou usado dos bens, mas apenas “diferenciar bens que por suas características intrínsecas são comercialmente
diferenciados”. A natureza de usados dos pneumáticos usados e recauchutados permaneceria apesar dessa classificação, mas tais bens não poderiam ser
confundidos com pneumáticos “novos”.
Em virtude disso, com base na Portaria DECEX Nº 8/91, muitas dessas importações foram retidas na Aduana brasileira e em função do crescente
número dessas operações o Governo brasileiro viu-se obrigado, através da Portaria Nº 8/00, a reforçar e esclarecer o alcance da Portaria Nº 8/91,
uniformizando o tratamento aduaneiro dispensado a esses produtos.
Nesse sentido, segundo o Brasil, a Portaria SECEX Nº 8/00 não estabelece, como pretende a Reclamante, nova proibição de acesso ao mercado
brasileiro, ou extensão ilegítima de restrição anteriormente existente. Teria, na verdade, apenas um caráter meramente interpretativo,
explicitando a proibição de importação de pnemáticos reformados já existente com anterioridade, ao estarem incluídos na proibição referente a
pneumáticos usados.
A Resolução CONAMA Nº 258/99, ao tratar da importação de pneumáticos recauchutados, estaria apenas prevendo, de maneira prescritiva, que, na
eventualidade de importação de pneumáticos reformados, seria também necessário dar-lhes um destino final adequado quanto ao meio ambiente.
Com isso não estaria, portanto, pretendendo reconhecer formalmente um regime de importação, inclusive porque não caberia ao CONAMA tal função.
Igualmente, o Parecer de 12 de janeiro de 1998 da Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal –
que concluiu que a importação de pneumáticos reformados não estaria proibida – não teria tratado o tema sob a perspectiva do comércio exterior,
não devendo, portanto, ser considerada para tal fim.
Cabe registrar, a propósito do alcance da Portaria DECEX Nº 8/91, que eventuais exceções ao regime previsto na mencionada norma foram sempre
explícitas, como no caso da autorização para importar pneumáticos remodelados para aviões, não sendo possível inferir, a partir da
inexistência de menção específica a bens recondicionados na Portaria DECEX Nº 8/91, que sua importação está autorizada no Brasil.
No que diz respeito ao tratamento de bens usados no âmbito do MERCOSUL, considerando que os esforços para harmonizar os regimes nacionais de
importação de bens usados entre os países membros resultaram, até o momento, infrutíferos, o Governo brasileiro entende que prevalece o
disposto no artigo 2º da Resolução GMC Nº 109/94, que estabelece que, enquanto não forem concluídos os trabalhos de harmonização sobre o tema,
os Estados Partes aplicarão suas respectivas legislações nacionais sobre importação de bens usados, inclusive no que se refere à definição de bens
usados e ao regime de bens recondicionados, cujo tratamento não escapa à égide da referida Resolução, conforme se deduz da leitura das Atas do
Comitê Técnico Nº 3, anexadas ao Escrito de Resposta.
À luz do princípio geral estabelecido na mencionada normativa e considerando que não houve nenhum compromisso dos Estados Partes em manter
inalterados seus respectivos regimes de importação de bens usados, a eventual delimitação da competência brasileira para legislar sobre a
matéria estaria condicionada à comprovação de que a definição de bens usados adotada pelo Brasil não concorda com o espírito da Resolução GMC
Nº 109/94.
O alcance da Resolução GMC Nº 109/94 que teria revogado, por vontade expressa das Partes, o regime de livre comércio para bens usados no
MERCOSUL, não teria sido modificado com a aprovação da Decisão Nº 22/00, a qual não estabelece uma nova obrigação de eliminação de restrições não
tarifárias no âmbito do bloco mas reitera as obrigações originárias do Anexo I do Tratado de Assunção, tal como foram modificadas pela Decisão
CMC Nº 3/94.
A respeito da Decisão CMC Nº 22/00, o Brasil afirma que, considerando que a Portaria Nº 8/00 não proporciona uma nova restrição ao comércio
intrazona por ter apenas caráter meramente interpretativo, tratando-se de uma simples regulamentação e precisão do regime de importação de bens
usados no Brasil, aquela não estaria sendo violada pela Portaria.
Destaca também que a proibição de importação de bens usados foi introduzida extemporaneamente à lista original de medidas restritivas que
deveriam ser eventualmente eliminadas segundo a Decisão CMC Nº 22/00, por insistência uruguaia (anexo XIV).
Nos termos da Decisão CMC Nº 3/94 – que, pelo artigo 41 do Protocolo de Ouro Preto, derroga as disposições do Tratado de Assunção em matéria
de medidas não tarifárias – as restrições à importação de bens usados estão incluídas na relação de restrições não tarifárias que, mediante
compromisso de futura harmonização, poderão ser mantidas no âmbito do MERCOSUL.
Finalmente, a Decisão CMC Nº 70/00, aprovada em dezembro de 2000, confirmaria a intenção das Partes de excluir a comercialização de peças
para automotores usadas do livre comércio no interior do MERCOSUL.
Careceria assim de fundamento a alegação de que a adoção da Portaria SECEX Nº 8/00 não condiz com os compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito do
MERCOSUL ou que viola os princípios de boa fé e pacta sunt servanda.
As tentativas no âmbito da Comissão Técnica 3 mostram que os temas “definição de bens usados” e “definição de bens recondicionados” estão no
campo de ação da Resolução Nº 109/94 e que não foram harmonizados no âmbito do MERCOSUL, ficando, portanto, sujeitos ao que a legislação
brasileira estabeleça a esse respeito. Assim, a não ser que a definição dada pela legislação brasileira para pneumáticos usados ou o tratamento
dado pela legislação brasileira a pneumáticos recondicionados (reformados) fossem arbitrários, o Brasil estaria agindo dentro do que lhe é permitido
pela Resolução GMC Nº 109/94.
Com relação à definição dos pneumáticos remoldados como “usados”, o Brasil afirma que tal definição não é arbitrária e deriva, basicamente, da
constatação técnica de que, apesar do processo de recondicionamento, tais pneumáticos, que se distinguem dos pneumáticos usados somente pelo
acréscimo de borracha, não podem ser considerados pneumáticos novos. As análises técnicas realizadas pela indústria automotiva brasileira
demonstram, entre outras coisas, que os pneumáticos remoldados apresentam uma performance de rendimento entre 30% e 60% inferior a um pneumático
novo, além de terem uma vida útil reduzida.
Estando composto de somente 30% de material novo, o pneumático remoldado não se confundiria com pneumático novo e não se prestaria mais a reformas,
de acordo à alegação do Governo brasileiro, após sua vida útil, acabando por transformar-se num “resíduo indesejável”.
Visando à adoção da Portaria SECEX Nº 8/00, o Governo brasileiro considerou, também, as discussões no âmbito do próprio Comitê de Normas
Técnicas do MERCOSUL, que culminaram na adoção, em outubro de 2000, das Normas Técnicas Nº 224:2000 e Nº 225:2000 que, segundo o Governo
brasileiro, definem taxativamente o pneumático reformado como um bem usado que passou por um processo de reutilização de sua carcaça.
A Parte Reclamada chama a atenção sobre o fato de que não se trata de uma posição isolada do Governo brasileiro. No âmbito do MERCOSUL, a Argentina
também proíbe a importação de pneumáticos recauchutados (NCM 4012.10.00), com o argumento de que tais pneumáticos são elaborados a partir de pneus
usados, cuja importação está proibida no contexto da Política Automotiva do MERCOSUL.
A classificação de pneumáticos recauchutados e usados em itens diferentes da NCM não modificaria o fato de que, por sua natureza, o pneumático
recauchutado seria um bem usado, cuja vida útil foi prolongada, não podendo ser confundido com um bem novo. A definição brasileira atenderia,
como já se afirmou, ao bom senso do termo “usado”.
Nesse contexto, a proibição de importação de pneumáticos recauchutados no Brasil estaria amparada na Resolução GMC Nº 109/94, que estabelece uma
disciplina específica para a importação de bens usados no MERCOSUL.
No respeitante a outras normas assinaladas pelo Uruguai como tendentes a impedir o acesso de pneumáticos reformados ao Brasil e sua comercialização
nesse mercado, apesar de este último considerar que o Decreto 3.919/99 e a Portaria No. 133/01 do INMETRO não fazem parte do objeto da presente
controvérsia, foram apresentadas as seguintes alegações a respeito:
- dita Portaria do INMETRO estava em discussão desde o final de 1999, objetivando o estabelecimento de políticas de proteção ao consumidor. O
anexo VIII contém um projeto de certificação obrigatória de pneumáticos reformados apresentado pelo INMETRO em 3 de maio de 2001;
- ademais, estaria em conformidade com os critérios de seleção de pneumáticos para reforma e reparação aprovados pelos organismos de
normalização dos quatro Estados do bloco (NT 225:2000);
- segundo a definição de pneumático usado da Portaria, pela qual este é qualquer pneu que já tenha tido vida útil, seria permitida a inclusão de
pneumáticos remoldados na noção de “usados”;
- o Decreto Nº 3.919, sendo de iniciativa do Ministério do Meio Ambiente, leva em conta outra motivação de políticas públicas alheias à esfera
comercial. O resultado dessa constatação seria a não participação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio em sua elaboração;
- o Governo brasileiro colocou-se à disposição dos árbitros para esclarecer os papéis do CONAMA e do Ministério do Meio Ambiente na política e
legislação ambiental brasileiras.
A respeito do princípio do estoppel, o Governo brasileiro entende que também não procede a alegação da Parte Reclamante de que a existência de
fluxo de importação de pneumáticos recauchutados no País teria constituído uma preclusão a qualquer pretensão do Brasil de impedir tal prática
sob pena de incorrer em estoppel, já que não houve por parte do Brasil um comportamento constante e inequívoco que pudesse criar expectativas e
direitos ao Uruguai em matéria de importações de pneumáticos recauchutados.
Em sentença ditada em 10 de fevereiro de 2000, oito meses antes da adoção da Portaria SECEX Nº 8/00, nos autos do mandato de segurança interposto
contra a Receita Federal pela retenção de importação de pneumáticos recauchutados, o Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul de
Terceiro Turno faz lembrar, por exemplo, que “A Portaria Nº 8/91 do DECEX proíbe a importação de bens de consumo usados, em cujo conceito se
enquadram os pneumáticos utilizados em automóveis. A aplicação de uma nova camada de borracha nos pneumáticos, com sua conseqüente restauração, não
autoriza o entendimento de que tenha havido mudança da natureza do pneumático de usado para novo. Aplica-se à espécie a Súmula Nº 19 desta
Corte”.
No mesmo sentido, o Quarto Turno do mencionado Supremo Tribunal decide, em abril de 2001, que “é legítima a restrição imposta à importação de
pneumáticos recauchutados. A norma proibitiva de importação de bens de consumo usados, prevista no artigo 27 da Portaria DECEX Nº 8/91 de
13/05/91, foi retificada pela Resolução Nº 23/CONAMA de 12/12/96, mas subsiste a proibição de importação de pneumáticos usados, estando
incluídos aqui os pneumáticos recauchutados”.
Conclui a parte Reclamada que nunca se configurou, por parte do Brasil, uma conduta capaz de fundamentar uma crença legítima de que as importações
de pneumáticos recauchutados no Brasil não estavam incluídas na proibição estabelecida pela Portaria DECEX Nº 8/91 ou de criar, por si só,
obrigações jurídicas para o País, via estoppel, inclusive como conseqüência de similar jurisprudência internacional assentada, no sentido
de que o estoppel não poderia ser invocado em benefício de fraude que, neste caso específico, resulta do preenchimento indevido dos dados
exigidos pela SISCOMEX, com a intenção de burlar a legislação brasileira que proíbe a importação de bens usados.
Mais especificamente, não teria havido nem declaração nem condutas brasileiras que indicassem o reconhecimento de um direito do Uruguai à
exportação de pneumáticos recauchutados ao Brasil como conseqüência de normas do MERCOSUL. Tampouco existiriam evidências que permitissem deduzir
uma interpretação brasileira da Resolução Nº 109/94 nesse sentido.
Ademais, a autonomia dos Estados Partes para legislar sobre bens usados, resultante do compromisso por eles assumido, não poderia ser modificada
pelo estoppel.
A admissão, na prática, das importações de pneumáticos recauchutados não seria suficiente para a criação de expectativas de direito, especialmente
considerando-se que a matéria nunca foi pacífica no Brasil.
A parte Reclamada apresentou, além disso, princípios reconhecidos pela Corte Internacional de Justiça, referentes à força probatória da prática
subseqüente dos Estados e à não presunção de seu poder de legislar.
Nesse contexto, o Governo brasileiro reitera que carece de todo tipo de fundamento a alegação da parte Reclamante de que a Portaria SECEX Nº 8/00
é incompatível com os compromissos assumidos pelo país no âmbito do MERCOSUL e solicita ao Tribunal Arbitral que rejeite a Reclamação do
Uruguai na presente Controvérsia.
II. CONSIDERANDO
A. Objeto da controvérsia
Para o Uruguai o objeto da controvérsia está constituído básica e fundamentalmente pela Portaria Nº 8 de 25 de setembro de 2000, da Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, pela qual se dispôs que não serão concedidas licenças de
importação de pneumáticos recauchutados e usados, seja como bens de consumo, seja como matéria-prima, classificados na Posição 4012 da NCM. Outrossim,
o Uruguai sustenta que, colateralmente, o objeto da controvérsia também está constituído por todos os outros atos do Brasil conectados, direta ou
indiretamente, com a mencionada Portaria e com sua ilegitimidade e suas conseqüências, além de qualquer outra medida tendente a obstaculizar o acesso
ao território brasileiro e a comercialização interna de tais mercadorias.
O Uruguai solicita ao Tribunal Arbitral que recomende a anulação de todas as disposições jurídicas e atos materiais adotados pelo Brasil que impeçam
ou obstaculizem a exportação de pneumáticos remoldados ao Brasil por empresas uruguaias.
O Uruguai, no Capítulo sobre “Formulação do caso” de seu Escrito de Reclamação, estima ser de enorme significação ressaltar o disposto pelo
Decreto Nº 3.919, de 14 de setembro de 2001, que agrega ao Decreto Nº 3.179, de 21 de setembro de 1999, o Artigo 47-A, o qual prevê a aplicação
de uma multa de R$ 400,00 por unidade à importação de pneumáticos usados e reformados, estabelecendo em seu parágrafo único que incorrerá na mesma
pena quem comercializa, transporta, armazena, guarda ou mantém em depósito pneumáticos usados ou reformados, importados nessas condições. No mesmo
Capítulo, o Uruguai menciona a Portaria Nº 133 do INMETRO, de 27 de setembro de 2001 que estabelece exigências técnicas adicionais aplicáveis
a pneumáticos reformados, de cujo cumprimento estarão isentos os pneumáticos reformados no Brasil fabricados antes de 1º de abril de 2004.
O Uruguai afirma que tanto o Decreto Nº 3.919 como a Portaria Nº 133 são posteriores no tempo ao fato de o Brasil ter tomado conhecimento de que o
Uruguai submeteria a controvérsia formulada a um Tribunal Arbitral. O Uruguai considera que estas duas normas especificadas a modo de exemplo,
assim como qualquer outra norma e/ou medida que o Brasil tenha adotado ou venha adotar com o mesmo propósito de obstaculizar ou impedir o acesso a
seu território ou a comercialização interna de pneumáticos remoldados, constituem o objeto da presente controvérsia.
O Brasil considera que o objeto da controvérsia está limitado às discussões e às formulações efetuadas durante as etapas prévias ao
procedimento arbitral. O Brasil sustenta que o Artigo 28 do Protocolo de Brasília proíbe a ampliação do objeto da controvérsia na instância
arbitral. Conseqüentemente, o objeto da presente controvérsia se refere exclusivamente à Portaria SECEX Nº 8/00. Quanto ao Decreto Nº 3919 de 2001
e à Portaria INMETRO Nº 133 de 2001, o Brasil sustenta que não estão compreendidos dentro da mesma lógica da Portaria SECEX Nº 8/00 e,
portanto, não podem ser considerados como normas complementares ou modificadoras da referida Portaria. Por outro lado, o Brasil alega que o
Uruguai não individualizou as normas MERCOSUL violentadas por aquelas normas internas e que as questões genéricas formuladas pelo Uruguai a
respeito de normas existentes não individualizadas, ou futuras normas, transformam as questões formuladas em verdadeiras abstrações que atentam
contra o direito de defesa do Brasil na instância arbitral.
Em primeiro lugar, o Tribunal Arbitral, a fim de determinar o objeto da presente controvérsia, se referirá aos alcances do Artigo 28 do
Regulamento do Protocolo de Brasília.
O Artigo 28 do Regulamento do Protocolo de Brasília expressa: “O objeto da controvérsia entre Estados e das reclamações iniciadas a pedido dos
particulares estará determinado pelos escritos de apresentação e de resposta, não podendo ser ampliado posteriormente”.
O texto deste Artigo, interpretado de boa fé e em conformidade com o objeto e fim do tratado que o contém, claramente expressa que a Parte
Reclamante e a Parte Reclamada determinarão o objeto da controvérsia até a apresentação perante o Tribunal Arbitral Ad Hoc dos escritos de reclamação
e resposta e nunca após a mesma. (Conforme Laudo Arbitral sobre “Aplicação de Medidas de Salvaguarda sobre Produtos Têxteis (Res. 861/99) do
Ministério de Economia e Obras e Serviços Públicos”; e Laudo Arbitral sobre “Aplicação de Medidas Antidumping contra a exportação de frangos
inteiros provenientes do Brasil”).
Princípios elementares de lógica jurídica e razoabilidade impõem, em face de cada caso particular, apreciar se, em razão da intensidade e dos
alcances das negociações diplomáticas como passo prévio necessário para recorrer à arbitragem, as Partes fixaram o objeto da controvérsia. Neste
sentido, o Laudo Arbitral sobre “Subsídios à Produção e Exportação de Carne de Porco” afirmou que “... Se o objeto da controvérsia foi fixado na
etapa de negociações diplomáticas, a partir de então já não pode haver modificação do objeto da litis pelas partes envolvidas”.
Sobre o particular e em conformidade com as atuações operantes no presente procedimento arbitral, este Tribunal não encontra elementos suficientes
que lhe permitam afirmar que as partes tenham convindo, fixado ou determinado durante a etapa de negociações diplomáticas o objeto
específico da presente controvérsia.
Por outro lado, é evidente que todo Tribunal Arbitral, dentro do sistema MERCOSUL, deverá verificar que o objeto da controvérsia matéria do
procedimento arbitral esteja compreendido e diretamente relacionado com as temáticas discutidas na etapa prévia das negociações diplomáticas. Neste
contexto, o Laudo Arbitral sobre “Subsídios à Produção e Exportação de Carne de Porco” expressa que “...Se admitíssemos na fase arbitral
reclamações não alegadas na fase anterior, estaríamos aceitando que se pode obviar a fase diplomática para ir diretamente à fase arbitral...”.
É igualmente evidente que as Partes no procedimento arbitral poderão completar e aprofundar a argumentação em que se baseiem suas reclamações
ou oposições iniciais no exercício de seus direitos de defesa (conforme Laudo Arbitral sobre “Subsídios à Produção e Exportação de Carne de
Porco“). Por sua vez, o Tribunal Arbitral não poderá deixar de considerar aquelas situações alegadas pelas partes relativas a modificações nos atos
jurídicos que se vinculam diretamente à matéria objeto da controvérsia. Sobre este particular, o Laudo Arbitral sobre “Comunicados Nº 37 de
17/12/97 e Nº 7 de 20/2/98 ...” sustentou que, “Uma solução contrária levaria à possibilidade de que por modificações formais sucessivas nos
atos administrativos nunca poder-se-ia chegar a um pronunciamento arbitral sobre o fundo.”
Em substância, o fundamento da reclamação do Uruguai para solicitar o início das negociações diretas foi a restrição à livre circulação de
pneumáticos reformados e recauchutados e isso constituiu a matéria de tais negociações prévias; o qual surge não apenas da Nota Nº 538/2001 já
citada, mas do documento “Reclamação do Uruguai contra o Brasil por Proibição de Importação de Pneumáticos” anexa à Nota Nº 1119/2001, pela
qual o Uruguai solicitou à Presidência Pro Tempore do GMC a inclusão de tal controvérsia na subseqüente Agenda do GMC, peticionando que “sejam
anuladas pelo Brasil todas as medidas que proíbem a importação de pneumáticos recauchutados ou remoldados do Uruguai, especialmente a
Portaria Nº 8/00 de 25 de setembro de 2000. O fato de que esta Portaria Nº 8/00 tenha sido a única citada pelo Uruguai nessa etapa, como medida
que afetasse a restrição à livre circulação de pneumáticos reformados ou recauchutados de origem intrazona no Brasil, deveu-se a que as outras
normas em questão não existiam no momento em que o Uruguai notificou formalmente sua decisão de iniciar o procedimento arbitral.
Por outro lado, o Decreto Nº 3.019/01 de 21/9/01, ditado pela Presidência do Brasil, agrega uma norma ao Decreto Nº 3.179 de 21 de setembro de 1999,
a do art. 47-A, que proíbe a importação de pneumáticos usados ou reformados.
O Tribunal acha que o Uruguai não fundamenta sua alegação sobre a invalidade do Decreto Nº 3.019/01 com argumentos independentes dos que
expressa para fundamentar a invalidade da Portaria Nº 8/00.
Portanto, o Tribunal observa que a definição sobre a compatibilidade ou incompatibilidade a respeito da normativa MERCOSUL do Decreto Nº 3.901 de
2001 está diretamente condicionada à determinação da compatibilidade ou incompatibilidade da Portaria SECEX Nº 8/00 com aquela normativa. Por tal
razão, a compatibilidade ou incompatibilidade do mencionado Decreto não será considerada como parte do objeto da presente controvérsia, apesar de
sua conformidade com a normativa MERCOSUL, mas dependerá do resultado a que este Tribunal chegue sobre o fundo da questão formulada, ou seja,
sobre a Portaria SECEX Nº 8/00.
Com relação à Portaria INMETRO Nº 1.33/01, de 27/9/2001, cabe efetuar as seguintes considerações. Tal Portaria, que tem por finalidade proteger a
segurança do consumidor, aprova um regulamento técnico a ser observado para os pneumáticos reformados comercializados no país. A problemática que
a mencionada Portaria apresenta amplia o conteúdo das matérias e temas incialmente propostos pelo Uruguai. Por outro lado, o Uruguai se refere a
essa Portaria de forma genérica e para exemplificar uma política comercial brasileira que se expressa na Portaria Nº 8/00, que é, como foi
reconhecido pelas Partes, o objeto não discutido da presente controvérsia. Portanto, a Portaria INMETRO Nº 133 de 2001 não pode ser considerada
dentro do objeto da presente controvérsia, apesar de sua conformidade com a normativa MERCOSUL, mas também dependerá do resultado a que este
Tribunal alcance sobre o fundo da questão formulada, ou seja, a Portaria SECEX Nº 8/00.
Quanto a outros eventuais “atos normativos ou medidas” que direta ou indiretamente impeçam o acesso ao mercado brasileiro de pneumáticos
reformados ou recauchutados, mencionados de forma genérica mas não especificados na apresentação do Uruguai, estes não podem integrar o
objeto da controvérsia em razão de sua inespecificidade e grau de abstração.
B. Direito aplicável
1). O âmbito normativo geral
a. Introdução
O Artigo 19 do Protocolo de Brasília estabelece as fontes do direito do MERCOSUL que deverá aplicar todo Tribunal Arbitral na solução das
controvérsias que lhe sejam apresentadas.
No presente caso, é de relevância o parágrafo 1 do Artigo 19 que estabelece que “O Tribunal Arbitral decidirá a controvérsia com base nas
disposições do Tratado de Assunção, nos acordos celebrados no âmbito do mesmo, nas Decisões do Conselho do Mercado Comum, assim como nos
princípios e disposições do direito internacional aplicáveis à matéria...”. Esta norma determina a aplicação, para a solução de
controvérsias através dos procedimentos arbitrais, de um direito considerado originário, isto é, o Tratado de Assunção e seus Anexos e os
acordos entre Estados; e de um direito derivado conformado pelas Decisões do Conselho do Mercado Comum e pelas Resoluções do Grupo Mercado Comum, às
quais, em conformidade com o Artigo 41 do Protocolo de Ouro Preto, se acrescentam as Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL. Além da
normativa especificamente do MERCOSUL, o Tribunal está obrigado a observar, na medida que sejam aplicáveis à matéria em conflito, as normas
e princípios de direito internacional.
Ou seja, que, quanto à aplicação das normas do sistema MERCOSUL e à interpretação e efetivação dos fins do Tratado de Assunção, o Tribunal
deverá ter em conta a utilização de critérios integradores da normativa MERCOSUL com as normas e princípios que regulam o direito internacional.
Neste sentido, o Protocolo de Brasília expressamente consagra como fonte normativa do MERCOSUL “os princípios e disposições do direito
internacional aplicáveis à matéria”. (Conforme Laudo Arbitral sobre “Restrições de acesso ao mercado argentino de bicicletas de origem
uruguaia”).
b. O Tratamento das Restrições ao Livre Comércio
A respeito da eliminação das restrições segundo a normativa fundacional do MERCOSUL, o Artigo 1 do Tratado de Assunção expressa que, “…Este Mercado
Comum implica - A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos
aduaneiros e das restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida equivalente …”.
De acordo ao disposto pelo Artigo 2, b) do Anexo I ao Tratado de Assunção, entender-se-á por “restrições” qualquer medida de caráter administrativo,
financeiro, cambiário ou de qualquer natureza, mediante a qual um Estado Parte impeça ou dificulte, por decisão unilateral, o comércio recíproco…”.
A proibição de imposição de restrições ou “medidas de efeito equivalente” no MERCOSUL possui um caráter absoluto, ou seja, não pode ser empregada
por um Estado Membro mesmo que a “medida” não se destine à discriminação do produto estrangeiro. Esse tipo de norma é essencial num sistema de
integração regional.
Todas as restrições e medidas de efeito equivalente constituem barreiras e obstruções ao comércio e são incompatíveis com o livre comércio e a
formação de um mercado comum.
c. Princípios Gerais em Matéria de Integração
Uma questão importante para os Estados é a compatibilidade entre o livre comércio e as normas internas de comercialização de produtos. Frente a
esta problemática, os Estados devem sempre considerar que as razões invocadas pelas autoridades nacionais, embora relevantes, estão sujeiras
ao princípio da proporcionalidade, ou seja, pela lógica do processo de integração não se admitem entraves ao comércio para a proteção de bens,
proteço esta que poderia ser obtida por meios menos restritivos como, por exemplo, informar o consumidor acerca do produto que está comprando, suas
especificidades e qualidades.
Outro tema fundamental da lógica integracionista é o que se refere à existência de uma reserva de soberania que permite aos Estados Membros do
MERCOSUL a imposição de barreiras por decisão unilateral. Entretanto, no presente caso não está em jogo a aplicação de uma reserva de soberania em
razão de que o Tratado de Assunção limita as causais de reserva às situações previstas no art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980.
Outro princípio que deve ser considerado é o da razoabilidade, vale dizer que as ações das autoridades dos Estados Membros não podem exceder a
margem do necessário para alcançar os objetivos propostos. Em outras palavras, essas ações não podem ser arbitrárias e não podem violentar os
princípios da livre circulação. O princípio da razoabilidade deve orientar as ações dos Estados pois ele estão incorporados a segurança jurídica do
processo de integração, a garantia dos valores protegidos pelos Tratados fundacionais do MERCOSUL, assim como a prudência, a causalidade e a
proporcionalidade já referida.
O "princípio da previsibilidade comercial" também se impõe neste caso. A certeza jurídica, a clareza e a objetividade são condições
imprescindíveis e regras gerais para as atividades comerciais dos Estados Membros e elementos essenciais para a confiança no mercado comum.
Para o Tribunal, os princípios aqui referidos de "proporcionalidade", "limitação da reserva de soberania",
"razoabilidade" e de "previsibilidade comercial" dão fundamento ao Mercado Comum do Sul. São elementos essenciais da
cooperação entre os Estados Membros, da reciprocidade em condições de igualdade, do equilíbrio entre as vantagens e obrigações que derivam da
integração e da formação gradual do mercado compartilhado.
O tribunal passa a seguir à avaliação das normas relevantes para a solução da presente controvérsia.
2). O âmbito normativo particular
a. A Portaria Nº 8/00
A Reclamante alega que a Portaria Nº 8/00 viola a normativa MERCOSUL. Sustenta que é contrária ao Tratado de Assunção e à Decisão Nº 22/00 do
Conselho do Mercado Comum. Outrossim, alega que a Portaria violenta princípios gerais do direito.
Na avaliação da legislação interna e na análise da prática do Brasil, o Tribunal esclarece que somente tem por objetivo ponderar sua adequação ou
não à normativa MERCOSUL no presente caso.
A Portaria Nº 8/00 dispôs que não serão liberadas licenças de importação de pneumáticos recauchutados e usados, seja como bens de consumo, seja
como matéria-prima, classificados na Posição 4012 da Nomenclatura Comum MERCOSUL.
Antes da vigência da Portaria Nº 8/00, de acordo ao alegado pelo Uruguai, a legislação interna do Brasil estabelecia, através da Portaria Nº 8 de 13
de maio de 1991, uma proibição à importação de pneumáticos usados classificados na Subposição NCM 4012.20, e não à importação dos
pneumáticos classificados na Subposição NCM 4012.10 (pneumáticos recauchutados). Se o Uruguai chegar a provar sua reclamação, a Portaria Nº
8/00 teria estabelecido uma ampliação da proibição contida na Portaria Nº 8/91, que somente compreenderia os pneumáticos usados e que agora se
estenderia aos pneumáticos recauchutados. É esta nova proibição contida na Portaria Nº 8/00 a que o Uruguai considera violadora da normativa MERCOSUL
e dos princípios de direito internacional aplicáveis sobre a matéria.
Por outro lado, o Brasil sustenta que a Portaria Nº 8/00 não modifica os alcances da Portaria Nº 8/91. A Portaria Nº 8/91 proibia a importação de
bens de consumo usados. Sendo para o Brasil pneumáticos recauchutados pneus usados, aqueles estavam compreendidos dentro da proibição de
importação.
O Uruguai argumenta que o âmbito normativo vigente no Brasil com anterioridade à Portaria No. 8/00 permitiu a importação de pneumáticos
remoldados provenientes do Uruguai. O fundamento de sua argumentação o articula com base no critério com o qual tal âmbito normativo foi aplicado
pelos órgãos competentes brasileiros.
O Tribunal considera, em razão da prova documental apresentada, que a autorização de importações de pneumáticos remoldados provenientes do
Uruguai gerou um fluxo comercial importante, contínuo e crescente. Este fluxo foi avalizado tanto pela prática como pelas opiniões e posições
assumidas por diversos órgãos públicos brasileiros.
Neste contexto, o Uruguai demonstra que a Portaria Nº 8, de 13 de maio de 1991, em primeiro lugar proibiu a importação de bens de consumo usados
(Prova I, doc. 2). Foi, não obstante, seguida da Portaria Nº 1, de 9 de janeiro de 1992, que permitiu a importação de pneumáticos usados como
matéria-prima para a indústria de recauchutagem com um procedimento de controle de destino de tais pneumáticos (Prova I, doc. 14). A seguir, a
Portaria Nº 18/92, de 13 de julho de 1992, revogou a Portaria anterior, tornando-se a aplicar a Portaria Nº 8/91 e a conseqüente proibição de
importação de pneumáticos usados (Prova I, doc. 15).
Em 19 de setembro de 2000, comunicou-se aos operadores de comércio exterior brasileiro, por meio do SISCOMEX, que começavam a exigir-se
licenças de importação prévia para pneumáticos recauchutados classificados na Posição 4012 da NCM (Prova I, doc. 16).
Em 25 de setembro de 2001, a Portaria Nº 8/00 da SECEX derrogou a Portaria Nº 18/92 da DECEX, dispondo que não seriam concedidas licenças de
importação de pneumáticos recauchutados e usados, tanto como bens de consumo, como matéria-prima, classificados na posição 4012 da NCM.
Dessa forma, antes da Portaria Nº 8/00, os pneumáticos remodelados podiam entrar no Brasil pela Subposição 4012.10. A única proibição de importação
se referia a pneumáticos usados (Portaria Nº 8/91) e, dada a exportação efetiva ininterrupta de tal mercadoria pelo Uruguai ao Brasil durante um
lapso prolongado que precedeu a Portaria Nº 8/00, o Tribunal entende que as autoridades brasileiras nunca consideraram os pneumáticos recauchutados
como pneumáticos usados, não incluindo-os na proibição que abrangia estes últimos.
A admissão pelas autoridades brasileiras das importações de pneumáticos remodelados pode ser ilustrada com alguns exemplos apresentados pela Parte
Reclamante:
a) Nota de 6 de abril de 1998 da Divisão de Legislação Nacional (DILEG) da Coordenação Geral do Sistema Aduaneiro (COANA) da Secretaria da
Receita Federal, que chegou à conclusão de que as Subposições 4012.10 (pneumáticos recauchutados) e 4012.20 (pneumáticos usados) não se confundem nem
mantêm entre si relação de gênero e espécie (Prova IV – doc. 20);
b) Parecer 18/98 da COANA (apresentado pelo Uruguai – Prova IV doc. 20) pretendeu “dirimir dúvidas suscitadas por entidades aduaneiras da
Secretaria da Receita Federal sobre a importação de pneumáticos recauchutados“ ante a Resolução Interministerial MF/MIC 3/95 e o Parecer
522 MMA/CONJUR/COAJ/97, afirmando que usados e recauchutados não se confundem e não mantêm entre si nenhuma relação de gênero nem de espécie,
não sendo aplicável a proibição de importação de pneumáticos usados a que faz menção a Res. 23/96 do CONAMA;
c) Carta Nº 154/00, de 6 de outubro de 2000, do MDIC, apresentada pelo Uruguai (Prova V, doc. 31) dizendo expressamente que “não se pode
afirmar que pneumático remodelado seja pneumático usado”, confirmando o expresso pela posição do INMETRO (Prova V, doc.32);
d) Nota do Departamento Técnico de Tarifas do Ministério de Indústria, Comércio e Turismo, em resposta à consulta paraguaia, que afirmou
expressamente que as importações brasileiras de pneumáticos recauchutados não estão sujeitas a restriçoes de caráter legal ou administrativo
(Prova IV, doc. 21);
e) Consulta 32/98 perante a Comissão de Comércio do MERCOSUL, apresentada ao Brasil pela Argentina, Uruguai e Paraguai, a respeito do
Projeto de Lei sobre regime de controle e destruição ou reciclagem de pneumáticos inservíveis, que se converteu na Resolução CONAMA nº 258, de
26 de agosto de 1999 (Prova V – doc. 22);
f) A distinção entre pneumáticos usados e reformados em matéria de proteção ambiental e regime de importação também é afirmada pelo CONAMA em
sua Resolução 23, de 12 de dezembro de 1996, que determinou que os resíduos inertes não estão sujeitos a restrições de importação, salvo os
pneumáticos usados (Prova V, doc. 29).
O Tribunal destaca também a relevância de algumas manifestações de órgãos e institutos públicos e privados referentes à licença de importação de
pneumáticos recauchutados (e a não extensão a estes da proibição concernente aos pneumáticos usados), na determinação da prática brasileira
sobre a matéria:
a) Resposta do Departamento Técnico de Intercâmbio Comercial do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo – Secretaria de Comércio
Exterior, Nota Técnica Nº 23/95 a uma consulta do Paraguai sobre importação de pneumáticos recauchutados pela qual se informa que não está
proibida no Brasil a importação de pneumáticos recauchutados (Prova IV, doc. 21);
b) Resposta do INMETRO à consulta da Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados (Prova V, doc. 31), que definiu “pneumático
remoldado” como “pneumático reconstituído através da substituição da faixa de rodado, dos ‘ombros’ e de toda a superfície de seus flancos” e
“pneumático usado” como “pneumático que foi submetido a todo tipo de uso e/ou desgaste”, afirmando que não podem ser confundidos;
c) Nota Técnica do INMETRO sobre pneumáticos reformados objeto da Portaria Nº 8/00 (Prova V, doc. 32), que reiterou sua distinção com
respeito a pneumáticos usados;
d) Parecer do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, de 24 de novembro de 1997, que reafirmou tal distinção (Prova V,
doc. 33);
e) Parecer da Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal, de 12 de janeiro de 1998 (Prova V,
doc. 34), que concluiu que “a preocupação ambiental se restringe à importação de pneumáticos usados” e que a importação de pneumáticos
reformados não está proibida pela Resolução CONAMA 23/96.
O Brasil sustenta com respeito às normas, ditames, relatórios e outros atos precedentes de órgãos administrativos, que estes constituem opiniões
e pareceres provenientes de diferentes setores da administração pública que não têm competência específica para a regulamentação da política sobre
o comércio exterior do país.
Cabe recordar que o Projeto da Comissão de Direito Internacional sobre Responsabilidade dos Estados que codifica o direito consuetudinário
expressa que, para o direito internacional, a conduta de qualquer órgão do Estado será considerada como um ato do Estado, independentemente das
funções exercidas pelo órgão em questão, sejam legislativas, executivas, judiciais ou qualquer outra, seja qual for a posição que este ocupe na
organização do Estado ou seu caráter como órgão do governo central ou de uma unidade territorial do Estado. (Conforme Artigo 4 do Projeto sobre
Responsabilidade dos Estados, adotado pela Comissão de Direito Internacional em sua 53ª sessão, Novembro de 2001)
Conseqüentemente, o Tribunal considera que todos esses atos da administração são imputáveis ao Brasil em razão de que a somatória dos
mesmos formaliza uma prática interna que confirma a interpretação da Reclamante dada à Portaria Nº 8/91.
Portanto, a Portaria SECEX Nº 8/00, ao modificar o âmbito normativo interno preexistente e ao contradizer os critérios com que dita legislação
foi constantemente aplicada pelos órgãos estatais brasileiros, afeta o fluxo comercial das importações de pneumáticos remoldados provenientes do
Uruguai, garantido pela normativa MERCOSUL.
b.- A Resolução GMC 109/94 e a Decisão CMC 22/00
A Reclamada em seu Escrito de Resposta afirma que a Resolução GMC N°109/94 constitui uma exceção à normativa genérica do MERCOSUL.
O Brasil alega que a Resolução do Grupo Mercado Comum Nº 109/94, de 15 de fevereiro de 1994, remete o tratamento dos bens usados às legislações
nacionais – inclusive no tocante à classificação dos bens considerados como tais –, acrescentando que não pode catalogar-se como arbitrária a
qualificação dos pneumáticos recauchutados ou remoldados como “usados”, já que o processo técnico correspondente assim o supõe.
Este Tribunal observa que a Resolução 109/94 estabelece uma exceção ao regime geral do Tratado de Assunção a respeito de bens usados, que como
toda exceção a uma regra geral deverá ser interpretada restritivamente. Neste contexto é relevante ter em mente qual foi a legislação interna do
Brasil relativa à importação de pneumáticos recauchutados (remoldados) provenientes do Uruguai.
Conforme sustenta o Brasil em seu Escrito de Resposta, a Portaria Nº 8/91 proíbe a importação de pneumáticos usados, entre os quais ficaram
incluídos os pneumáticos recauchutados. A Portaria Nº 8/00 somente interpreta a Portaria Nº 8/91 com o fim de esclarecer confusões produzidas
a partir das operações observadas entre os importadores.
Sobre esse particular, o Uruguai sustenta em troca que, sem desconhecer que consagrou uma exceção ao princípio geral do artigo 1 do Tratado de
Assunção, a Resolução Nº 109/94 mencionada não habilita um Estado Parte a modificar arbitrariamente o alcance do que o próprio Estado Parte havia
dado ao conceito de pneumático “usado” durante um extenso período – diferente de “recauchutado” ou “remoldado” -; e que, tratando-se de uma
exceção ao regime de livre comércio de mercadorias, deveria interpretar-se com critério restritivo e não extensivo.
O Tribunal afirma, como já havia estabelecido, que a prática do Brasil durante os últimos anos avaliza o fato de que os pneumáticos recauchutados
(remoldados) importados do Uruguai não estavam incluídos dentro da proibição genérica contida na Portaria Nº 8/91. Esta prática, como foi
expresso, está consentida por reiterados atos concludentes emanados de órgãos e entidades públicas imputáveis ao Estado Brasileiro.
É assim que, desde praticamente a entrada em vigor da Portaria SECEX Nº 8/91, de 13 de maio de 1991, o Brasil de fato tratou os pneumáticos
“recauchutados” ou “remoldados” como uma categoria diferente com relação à dos “novos” e à dos “usados”, tratamento que manteve durante um prolongado
lapso inclusive depois da Resolução GMC Nº 109/94, incentivando com isso o desenvolvimento de um fluxo comercial intrazona de pneumáticos remoldados.
No ano 2000 tal fluxo era relevante e regular. O acordo dos Estados Partes do MERCOSUL para eliminar os gravames e demais restrições aplicadas em seu
comércio recíproco previsto no artigo 1 do Anexo I do Tratado de Assunção foi fixado pelo Programa de Adequação Final para 31/12/99, ficando então
consagrado o princípio da livre circulação de bens no território do MERCOSUL.
Considerando este Tribunal que no momento em que foi ditada a Portaria Nº 8/00 o Brasil não proibia a importação de pneumáticos recauchutados
(remoldados) provenientes do Uruguai, cabe perguntar-se se essa Portaria é compatível com a normativa MERCOSUL.
Para o Tribunal, a Resolução 109/94 constitui uma modificação do regime geral estabelecido no Tratado de Assunção com relação à importação de bens
usados.
Deve-se ter em conta que a Resolução 109/94 estabelece uma exceção definida antes do relançamento do MERCOSUL. Portanto, sua aplicação como
exceção relativa ao regime aplicável a bens usados se mantém mesmo depois de tal relançamento.
No momento em que foi ditada a Portaria Nº 8/00 estava vigente – e ainda permanece – a Resolução 109/94 que habilita os Estados Partes a aplicarem
suas legislações internas para regular a circulação intrazona de bens usados.
Contudo, já em meados de 2000, constata-se, do alegado e provado pelas Partes em seus escritos e nos documentos apresentados perante o Tribunal,
a existência de um fluxo comercial no Brasil de pneumáticos recauchutados importados do Uruguai que conformam o universo de bens sujeitos à livre
circulação.
Quanto à Decisão N° 22/00 sobre “Acesso aos Mercados” do Conselho do Mercado Comum, aprovada em 29 de junho de 2000, está expresso que “Os
Estados Partes não adotarão nenhuma medida restritiva ao comércio recíproco, seja qual for sua natureza, sem prejuízo do previsto no artigo
2 alínea b) do Anexo I ao Tratado de Assunção”.
A Decisão Nº 22/00 reafirma o caráter vinculatório da proibição de alterar o fluxo comercial existente na data de sua aprovação. Esta Decisão opera
como uma data crítica com o fim de limitar os alcances da Resolução Nº 109/94 sobre bens usados que, em conformidade com a legislação interna de
cada Estado, estavam na data de sua aprovação incorporadas ao esquema de livre circulação entre os Estados Partes, ou seja, entre Brasil e Uruguai.
Em tal contexto, o Tribunal considera que não se pode afirmar, como o Brasil o faz, que a Decisão CMC Nº 22/00 é totalmente irrelevante ou
alheia a este caso. Apesar de a mesma reafirmar uma política já explícita do MERCOSUL, não se trata de uma mera declaração, mas uma mensagem do
órgão condutor do processo de integração no sentido de que, garantido o princípio da livre circulação de bens no MERCOSUL, as regras do jogo que
regiam o fluxo do comércio intrazona nesse momento não podiam restringir-se por medida alguma, de qualquer natureza, pela qual um Estado
Parte impedisse ou dificultasse, por decisão unilateral, o comércio recíproco. E nesse sentido, embora abstrato e de um ponto de vista
puramente técnico, pudesse não resultar arbitrária a qualificação proposta pelo Brasil para os pneumáticos recauchutados ou remoldados, resulta
claro que num processo de integração – seja qual for o estágio de desenvolvimento em que estiver – não podem variar as regras do jogo em
qualquer momento: na oportunidade em que o Brasil o fez, implicava uma via indireta de restrição indevida à livre circulação de bens intrazona, já
consolidada através da própria legislação brasileira.
Assim, se no momento da aprovação da Decisão Nº 22/00 não havia na legislação interna do Brasil uma proibição às importações de pneumáticos
recauchutados (remoldados) provenientes de Estados Membros do MERCOSUL, é evidente que, posteriormente a essa data, o Brasil não podia impor
restrição alguma que afetasse tal comércio.
A Decisão Nº 22/00 não modifica os alcances da Resolução 109/94 de forma genérica, mas opera como uma garantia do fluxo do comércio intrazona de
bens usados existente nessa data. O conteúdo da Decisão 22/00 condiciona a capacidade dos Estados Partes de alterarem ou modificarem, a partir da
data de sua aprovação, os alcances de suas legislações internas quanto à imposição de novas restrições ao comércio de bens usados existente.
c. Os Princípios Gerais de Direito: o estoppel
Outrossim, a Portaria Nº 8/00 contradiz princípios gerais do direito internacional, estabelecidos no Protocolo de Brasília (artigo 19) como
fonte de direito aplicável pelos Tribunais Arbitrais para a solução de controvérsias.
O Uruguai afirma que a Portaria Nº 8/00 contraria: a) o que foi a prática comercial constante até sua sanção, isto é, a exportação regular de
pneumáticos reformados do Uruguai (e de outros países) para o Brasil; b) a interpretação e aplicação do âmbito normativo vigente até então, aplicada
e executada por diversos órgãos do Estado brasileiro, que habilitava a referida prática comercial. O Uruguai sustenta que a colisão da Portaria
Nº 8/00 com os dois elementos recentemente assinalados configura um ilegítimo “venire contra factum proprium” pelo Brasil.
A Parte Reclamada não nega que tenha existido a corrente comercial invocada pela Reclamante. Observa, contudo, que tal corrente comercial
surgiu e se manteve, apesar da proibição de importar pneumáticos usados consagrada pela Portaria Nº 8/91, de 13 de maio de 1991, porque os
importadores brasileiros omitiram deliberadamente suas declarações na documentação das correspondentes operações de comércio exterior. Tanto
importadores como fabricantes de pneumáticos reformados se aproveitaram da existência de duas classificações tarifárias para pneumáticos usados (NCM
4012.10 e NCM 4012.20) para obter de fato uma redução indevida da Portaria Nº 8/91, cujos verdadeiros alcances a Portaria Nº 8/00 não fez mais que
esclarecer e precisar.
Sobre esse particular, o Brasil conclui que não é aplicável o princípio do estoppel, já que não houve de sua parte um comportamento constante e
inequívoco que pudesse gerar direitos nem alentar expectativas uruguaias em matéria de exportações ao Brasil de pneumáticos recauchutados. Cita
neste sentido uma opinião doutrinária segundo a qual o comportamento do Estado, culpável de estoppel, deve suscitar nos terceiros não a mera
representação de uma aparência, mas uma verdadeira convicção equivocada. Na espécie, reitera a Reclamada, essa convicção nunca pôde surgir, tendo
em conta o caráter sempre polêmico e controvertido do tema no Brasil.
Para o Tribunal, a definição geralmente aceita pela doutrina e pela jurisprudência internacional expressa, de acordo ao Segundo Relatório
sobre os Atos Unilaterais dos Estados da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, que o estoppel e, por conseguinte, o caráter
obrigatório das declarações de um Estado, que o obrigam a respeitar uma conduta determinada, têm como base atos secundários de um terceiro Estado
e conseqüências prejudiciais que resultariam de uma mudança de atitude do Estado que criou a expectativa no outro Estado. (Conf. “Deuxième rapport
sur les actes unilatéraux des États”
(www.un.org/law/ilc/sessions/51/french/500.pdf). Genève, 1999).
Fica claro que a corrente comercial de importação pelo Brasil de pneumáticos reformados provenientes do Uruguai e de outros países
efetivamente existiu; e isso, apesar de a Portaria Nº 8/91 proibir a importação de pneumáticos usados, dentro dos quais não estavam incluídos
os remoldados.
O Tribunal entende que o Brasil não pode tirar significação nem transcendência a esse fato que existiu durante vários anos, com o argumento de que os
importadores deixaram de declarar a informação que teria tornado aplicável a proibição já estabelecida – conforme o Brasil sustenta agora – na
Portaria Nº 8/91. Não se trata de algumas importações isoladas ou esporádicas, mas de um fluxo comercial que depois da sanção da Portaria Nº 8/91
foi-se incrementando até a adoção da Portaria Nº 8/00. Tampouco é o caso de operações quase clandestinas, mas de um tráfego que, segundo a própria
Reclamada afirma, suscitou controvérsias no Brasil. Surge dos autos que diversos órgãos do Estado brasileiro – entre os quais uma dependência da
Secretaria da Receita Federal –, tomaram diversas providências a respeito. Nestas condições o Estado brasileiro não pode alegar que ignorava o fato
de que, estando vigente a Portaria Nº 8/91, que proibia a importação de pneumáticos usados, empresas do Uruguai e de terceiros países exportavam
normal e reiteradamente ao Brasil pneumáticos recauchutados. Esse fato é relevante, obviamente, aos efeitos de imputar atos concludentes de agentes
e órgãos públicos estatais ao Brasil. O Brasil, com os fatos, confirmou sua aquiescência à importação de pneumáticos remoldados independentemente
de que a posteriori pretendesse alegar que a Portaria Nº 8/91 incluía no conceito de pneumáticos usados os pneumáticos remoldados.
Ainda no âmbito das opiniões doutrinárias citadas pela Reclamada, o Tribunal entende que a assinalada concorrência de elementos contestes
–tráfego comercial, declarações oficiais –, além dos concordantes atos concludentes de órgãos do Estado, justificam a invocação do princípio do
estoppel que realiza a Parte Reclamada. Mas deve-se assinalar que, a seu critério, o fato de que a questão em debate se formule no seio de um
processo de integração como o que o MERCOSUL se propõe realizar, deve facilitar a aplicação dos princípios jurídicos que protegem a confiança e,
por conseguinte, vedam o “venire contra factum proprium”.
A aplicação da teoria do ato próprio às relações entre os Estados vinculados por tratados de integração econômica, como os que constituem e
desenvolvem o MERCOSUL, não pode fazer abstração da relação especial que tais tratados criam entre seus signatários. A existência desta relação
básica, constituída por um tratado e logo desenvolvida através dos anos por outros atos jurídicos, assim como por atividades comerciais e
produtivas, deve ser levada em conta ao considerar-se a possibilidade de aplicar a uma situação particular a teoria do ato próprio ou estoppel,
a fim de garantir a subsistência de um fluxo comercial preexistente a normativas internas que pretendem restringir ou frustrar esse fluxo.
À luz destas considerações, não são aceitáveis as alegações da Parte Reclamada que pretendem negar relevância jurídica a uma corrente comercial
sustentada durante vários anos e reconhecida por seus próprios órgãos em declarações oficiais vertidas no seio do MERCOSUL.
III. CONCLUSÕES
Em razão das considerações anteriores o Tribunal conclui que:
a) existiu durante a década de noventa, especificamente a partir de 1994/95, um fluxo comercial em direção ao Brasil de
pneumáticos recauchutados (remoldados) provenientes do Uruguai, compatível com a legislação interna do Brasil aplicada a partir da Portaria
Nº 8/91;
b) que, a partir de atos concludentes de distintos órgãos públicos do Estado brasileiro, certificou-se que os pneumáticos recauchutados
(remoldados) não foram considerados como usados e, portanto, não compreendidos na proibição de importação de pneumáticos usados;
c) que a Decisão Nº 22/00 impõe aos Estados Partes a obrigação de não adotarem medidas restritivas ao comércio recíproco;
d) que a Portaria Nº 8/00 é posterior à Decisão Nº 22/00 e impõe novas restrições ao comércio recíproco existente;
e) que a Resolução Nº 109/94 CMC é uma exceção ao esquema do Artigo 1 do Tratado de Assunção e o Artigo 1 de seu Anexo, condicionada ao
conteúdo da Decisão CMC Nº 22/00 que, no presente caso, limita os alcances da Resolução anteriormente mencionada a respeito de bens usados admitidos
no comércio recíproco existente no momento de sua adoção;
f) que, independentemente do fato de não ser compatível com a Decisão CMC Nº 22/00, a Portaria Nº 8/00 contradiz princípios gerais do direito,
especialmente o princípio do estoppel, cuja aplicação no presente caso reafirma os postulados básicos relativos ao objeto e ao fim do Tratado de
Assunção.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, e de acordo com o Protocolo de Brasília, seu Regulamento, o Protocolo de Ouro Preto, as normas e princípios jurídicos
aplicáveis e com as Regras de Procedimento do Tribunal, este Tribunal Arbitral Ad Hoc, constituído para decidir sobre a controvérsia “Proibição de
Importação de Pneumáticos Remoldados Procedentes do Uruguai”, pelas razões antes expostas e com base na fundamentação jurídica desenvolvida nos
precedentes considerandos, DECIDE:
Por unanimidade, que a Portaria Nº 8 de 25 de setembro de 2000 da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério de Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior é incompatível com a normativa MERCOSUL. O Brasil deverá, em conseqüência, adaptar sua legislação interna em
consideração à citada incompatibilidade;
Por unanimidade, dispor que os custos e custas do processo sejam pagos da seguinte maneira: cada Estado se responsabilizará pelo pagamento de
despesas e honorários ocasionados pelas atuações do árbitro por ele nomeado. A compensação pecuniária do Presidente e os demais gastos do
Tribunal serão pagos em montantes iguais pelas Partes. Os pagamentos correspondentes deverão ser efetuados pelas Partes através da Secretaria
Administrativa do MERCOSUL, dentro do prazo de trinta dias a partir da notificação do Laudo;
Por unanimidade, dispor que as atuações da presente instância sejam arquivadas na Secretaria Administrativa do MERCOSUL;
Por unanimidade, e em conformidade com o Artigo 21 (2) do Protocolo de Brasília e com o Artigo 18 das Regras de Procedimento do Tribunal,
determina-se que as Partes têm 60 dias desde sua notificação para cumprir as disposições do Laudo.
Esta decisão deverá ser notificada às Partes por intermédio da Secretaria Administrativa do MERCOSUL e logo publicada.
Maristela Basso
Árbitro
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Ronald Herbert
Árbitro
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Raúl Emilio Vinuesa
Árbitro Presidente |
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